Entre macrófitas, herbáceas, arbustos e árvores, foram identificadas na literatura 74 espécies de plantas capazes de tratar as águas urbanas de São Paulo de forma mais eficiente. É o que demonstra pesquisa realizada pela bióloga Maitê Bueno, que, motivada pelo desejo de melhorar o lugar onde vive através de seus conhecimentos na área de ciências biológicas, decidiu investigar o papel da vegetação no tratamento de águas urbanas e identificar os critérios de seleção das espécies de plantas para projetos de Infraestrutura Verde* (IV) na capital paulista.
Para cumprir seu objetivo, visando à indicação dessas espécies, a bióloga interligou informações de diferentes literaturas e realizou um estudo de caso no córrego Água Podre, localizado no bairro do Rio Pequeno, Zona Oeste do município. A pesquisa deu origem à dissertação de mestrado Plantas para infraestrutura verde e o papel da vegetação no tratamento das águas urbanas de São Paulo: identificação de critérios para seleção de espécies.
Tratamento das águas urbanas
“Na natureza, a vegetação e a água são indissociáveis”, lembra Maitê. Conforme o estudo demonstra, as plantas possuem mecanismos naturais — os chamados mecanismos de fitorremediação — através dos quais participam tanto da regulação do ciclo da água e da manutenção de sua qualidade, quanto da mitigação e remediação de diversos poluentes orgânicos e inorgânicos presentes nela, como óleos de motor e metais pesados.
A Infraestrutura Verde, por sua vez, oferece diferentes oportunidades para que essas plantas sejam usadas na cidade, uma vez que trabalha com diferentes dispositivos — como biovaletas, jardins de chuva e alagados construídos — que, necessariamente, utilizam da vegetação em sua estrutura. Assim, esses dispositivos são capazes de realizar, de maneira descentralizada, serviços como o manejo das águas da chuva e o tratamento de seus poluentes no mesmo local onde precipitam — diferente do que ocorre em uma estrutura convencional, em que as águas pluviais são captadas e levadas, através de valetas concretadas e encanamentos, à estações de tratamento centralizadas —, adaptando as infraestruturas urbanas aos ciclos ocorridos na natureza.
Critérios de seleção de espécies
Associando o conceito de Infraestrutura Verde ao de fitorremediação, a pesquisadora concluiu que os mecanismos fitorremediadores contidos nas plantas são inerentes aos dispositivos que constituem essa rede de paisagens. “Passei a entender que, se um jardim de chuva, por exemplo, trata a poluição da água, [significa que] nele acontecem os processos de fitorremediação”, comenta.
Contudo, Maitê explica que, apesar de haver pesquisas comprovando a eficácia do uso de dispositivos de IV no tratamento de poluentes, não havia nenhuma clareza no que diz respeito à escolha das espécies que deveriam ser utilizadas para isso. “[Entendi que,] se conheço as plantas que fazem esses mecanismos de fitorremediação com mais eficiência, consigo ter dispositivos de IV que vão, também, agir com maior eficiência sobre a questão da poluição”, aponta.
Para identificá-las, foi necessário a realização de um estudo de caso. O local escolhido foi o córrego Água Podre, pertencente à bacia hidrográfica do Jaguaré, um dos principais afluentes do Rio Pinheiros. De acordo com a bióloga, o córrego foi selecionado por abarcar diferentes condições que se repetem na cidade, fazendo com que os resultados do estudo possam ser aplicados em diferentes bacias do município. Entre essas condições, está o fato de conter, ao mesmo tempo, trechos naturalizados, com áreas protegidas de nascentes, e áreas urbanizadas, com lançamento de esgoto doméstico provenientes de moradias irregulares em suas margens, sendo classificada como “péssima” a qualidade de suas águas.
A partir de um diagnóstico ambiental do cenário escolhido, utilizando informações já disponíveis na literatura, a pesquisadora conseguiu elencar considerações gerais para a indicação da vegetação: tanto para o manejo quanto para o tratamento das águas urbanas, recomendou-se que sejam escolhidas plantas que tenham capacidade de sobreviver às condições ambientais e climáticas locais; de preferência, nativas e que tenham potencial de fitorremediação dos poluentes presentes na porção hídrica que se deseja tratar — vindos, no caso, do escoamento das águas pluviais e do esgoto.
Além de atender a esses critérios, chamados na pesquisa de “gerais”, recomendou-se, também, que sejam escolhidas plantas que atendam aos “critérios específicos” de cada dispositivo de IV propostos para cada caso, também elencados na pesquisa. Para o estudo realizado, foram indicados biovaletas, jardins de chuva e amortecedores ripários para o manejo das águas pluviais e alagados construídos para o tratamento do córrego.
Solução prática para planejadores urbanos
Conforme consta na pesquisa, do total das plantas indicadas, 60 espécies são nativas, sendo 58 delas encontradas no Estado de São Paulo, e 14 são exóticas. Separadas por dispositivo de Infraestrutura Verde, para cada uma delas foram apontadas suas principais características e informações relacionadas ao seu potencial de tratamento de poluentes.
“A grande intenção, desde o início, era tentar trazer ideias práticas”, observa Maitê. De acordo com a pesquisa, apesar de São Paulo “começar a dar alguns passos” com a publicação, em 2010, do Plano Diretor de Manejo das Águas Pluviais do município, a cidade ainda não possui modelos aplicados, que possam servir de replicação para o uso de alternativas de IV no tratamento de suas águas urbanas.
“[Essa pesquisa] poderia ser um modelo excelente para que pudéssemos utilizar esse tipo de alternativa na cidade”, avalia. Vale ressaltar, ainda, que a pesquisa demonstra ser viável a aquisição da vegetação indicada. “São plantas que estão por aqui, de fácil acesso”, salienta a pesquisadora.
A bióloga chama a atenção, ainda, para o fato do uso de alternativas de IV em substituição às práticas convencionais de tratamento das águas urbanas já ser realizado em outros lugares do mundo há décadas, como em Berlim, Alemanha, lugar onde a prática ocorre desde o final dos anos 1980. “É muito importante esse olhar para projetos que já foram feitos e validados, já que a gente continua aplicando soluções ultrapassadas”, conclui.
A dissertação de mestrado foi orientada pelo professor Paulo Pellegrino e defendida, em maio, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. O trabalho na íntegra pode ser acessado aqui.
Maravilha!!!