Por Regina Santana,
Em comemoração aos 50 anos da Agência Universitária de Notícias (AUN), a diretora-executiva da Agência Estado, Cristina Canas, conversou com os alunos de jornalismo da ECA-USP sobre o dia a dia de uma agência de notícias. No encontro[1], Alexandre Caverni da Reuters Brasil também compôs a mesa.
Há 16 anos Canas trabalha na Agência Estado, tendo passado anteriormente pelo O Globo e Jornal do Brasil. É formada em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo e possui MBA em Finanças pela Fundação Instituto de Administração da FEA-USP.
A Agência Estado é dividida em dois tipos de serviços: o Broadcast e o Estadão Conteúdo. O Broadcast, que é a principal atividade da agência, é a produção de notícias em tempo real com o foco, principalmente, em mercado financeiro. O Estadão Conteúdo já consiste no tipo de serviço mais comum de agências de notícias, que é a distribuição de matérias e fotos para as mídias.
Canas explica que o conceito de tempo real não parece tão claro para as pessoas, que confundem com a ideia de online. Talvez, a única semelhança entre os dois seja a distribuição de notícias por meio eletrônico, porém, as diferenças são várias. A primeira que a jornalista aponta está no público-alvo. Enquanto a produção de conteúdo online tem um público mais abrangente que quer apenas se informar, o tempo real tem um público bastante específico que vai trabalhar em cima daquelas notícias. “No caso do tempo real, a notícia tem uso de negócios, de matéria prima para definir negócios, para definir uma estratégia e muitas vezes com a velocidade de segundos, ou até menos de segundos”.
O Broadcast possui uma produção que jornalistas não estão acostumados a fazer, argumenta Canas. Por ser um noticiário especializado e que possui, portanto, uma linguagem mais específica, pode acabar indo de encontro ao que é ensinado nas faculdades de jornalismo. O primeiro exemplo que ela apresenta está no fator novidade, tão comum no jornalismo, que, porém, não é uma regra tão rígida do tempo real. Na realidade, no tempo real, a repetição se torna muitas vezes mais importante do que a novidade.
Se, por exemplo, o presidente do Banco Central faz uma declaração e logo em seguida acontece de o mercado ter uma reação que vai contra aquela declaração (como um aumento de inflação, por exemplo), é necessário que ele volte ao público para repetir aquele primeiro comunicado. “Essa repetição tem a mesma importância daquela primeira comunicação, às vezes até mais. Então, é um caso onde a repetição é fundamental e que você tem que noticiar com a mesma rapidez, a mesma agilidade, a mesma precisão da primeira vez”.
Outra dificuldade encontrada na produção desse tipo de conteúdo, segundo Cristina, é a precisão. Ser direto e rápido é fundamental para o público do tempo real. Afinal, aquela informação pode render dinheiro para essas pessoas. Por isso, não há espaço para escrever além do necessário. “Se o meu leitor tem a informação e o leitor da Reuters não tem, o meu leitor sai em vantagem e vai ganhar dinheiro em cima. E não é R$10 ou R$ 1 mil reais não, são milhões em uma tacada só, então é um noticiário muito tenso, nervoso, muito específico e com um código muito particular.”
Estadão Conteúdo
A segunda plataforma usada pela agência é o Estadão conteúdo, que trata da distribuição de notícias e fotos para as mídias e veículos assinantes. Diferente do Broadcast, esta plataforma é destinada ao público em geral e traz assuntos diversos, linguagem mais simplificada, além de permitir o acesso ao acervo de fotojornalismo usado pelo jornal do mesmo grupo. Segundo Canas, o fluxo contínuo de material é o que garante a lucratividade da AE, que só com o Conteúdo atende cerca de 240 veículos atualmente, em 24 estados, com 2.500 fotos por dia dos mais de 500 fotógrafos espalhados pelo país.
O corpo de jornalistas conta com cerca de 120 profissionais fixos – mais o quadro de freelancers que contribuem, dependendo da situação – atuando em diferentes cidades, entre as quais estão Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e Porto Alegre, além dos correspondentes internacionais em Londres, Nova Iorque e Argentina. Quando questionada sobre a possibilidade de cobertura em outros estados do Brasil, Canas responde: “Não fosse essa limitação que a gente tem hoje de custo, talvez estivéssemos em mais lugares”, o que complementa dizendo que o interesse do público também é o que motiva o trabalho de cobertura local. No entanto, a distribuição de material para todo país garante uma boa repercussão das notícias e, muita vezes, o reconhecimento do trabalho de repórteres e correspondentes é muito maior fora das grandes metrópoles, onde o conteúdo ofertado pela Agência é bastante reproduzido.
Debates
Durante a conversa surgiram alguns questionamentos por parte dos alunos, principalmente relacionados a falhas durante o noticiário do Broadcast. Quando acontece de sair alguma informação errada, segundo a jornalista, em seguida outra matéria, já corrigida, é publicada com a sigla [ATT] no título, que avisa ao leitor do erro na matéria anterior. Não tirar o erro da tela é, inclusive, uma política da empresa para não afetar a credibilidade das notícias. “A gente procura reparar o mais rápido possível, eu costumo falar para todo mundo que a correção deve vir mais rápido que a notícia, pois, às vezes, a pessoa pode estar operando com algum índice errado”, conta Cristina Canas.
Ela também conta da parceria com a empresa americana Dow Jones na cobertura do mercado financeiro. A escolha do título com os créditos de quem deu aquela informação são fatores que interferem na credibilidade da notícia, além de ser concernente à ética. “Se a gente sabe que é uma informação que obviamente mexe com o mercado, como, por exemplo, a decisão de juros do Federal Reserve, colocamos Dow Jones na frente. Isso porque ela [outra empresa] pode errar”. A escolha do título, aliás, é de fundamental importância para o exercício diário da profissão. Numa agência de notícias, em que o fluxo de matérias é contínuo, o leitor demanda um título bastante preciso e com o máximo de informações possíveis.
[1] Palestra proferida no dia 11 de outubro de 2016. Todas as palestras deste ciclo comemorativo foram sediadas no auditório Freitas Nobre, do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE/ECA/USP).
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