Após sete anos parado nas câmaras legislativas brasileiras, em maio de 2017 o Acordo Guarani foi aprovado pelo Senado. Agora, o projeto segue para o Executivo, que deve avaliar sua ratificação. Neste cenário, o Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da USP (Cepas), juntamente ao Strathclyde Centre for Environmental Law and Governance (Scelg), da Escócia e ao Centro Regional para la Gestión de las Aguas Subterráneas (Ceregas), da Unesco, elaborou um estudo evidenciando as principais vantagens da ratificação do Acordo e sua importância para a gestão do aquífero e para as regiões onde ele ocorre. A meta é que, por meio da divulgação de sua importância social e econômica, encoraje-se a entrada em vigor do documento no Brasil por meio da assinatura do presidente da República.
O professor Ricardo Hirata, vice-diretor do Cepas e representante da USP no estudo, explica que o Acordo Guarani surgiu em 2010, após anos de discussões e pesquisas sobre o sistema aquífero nos quatro países pelos quais ele se estende: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e conduzido pela Organização dos Estados Americanos e o Banco Mundial. A Universidade de São Paulo participou ativamente do Projeto Guarani – como ficou conhecido –, com professores do Instituto de Geociências atuando como assessores técnicos do projeto. “Ao concluirmos o projeto, fizemos uma sugestão de como os países deveriam manejar o aquífero e gerenciá-lo de forma adequada, a fim de protegê-lo e tirar dele o melhor proveito para a sociedade”, conta Hirata. No entanto, apenas a Argentina e o Uruguai ratificaram o Acordo.
Diante disso, pesquisadores se reuniram novamente para analisar as leis dos países e produzir mais um documento que ressaltasse as vantagens do Acordo ser ratificado pelo Brasil e Paraguai. “Temos discutido bastante a operacionalidade do Acordo e o que os países ganham com sua ratificação”, diz Hirata. “Conversando com os profissionais do CeReGAS e com o SCELG, produzimos este estudo com os pontos-chave do valor do Acordo, que são uma síntese da longa discussão que tem acontecido dentro do nosso grupo”, esclarece. O professor destaca que o documento foi idealizado como um alerta da importância da entrada em vigor do Acordo Guarani, para esclarecer, principalmente, que o Acordo não fere, de forma alguma, a soberania de nenhum dos países no que diz respeito à gestão de sua águas nacionais.
Além da manutenção da soberania dos países, outros pontos-chave do estudo são a facilitação de investimentos na região; a maior visibilidade que o Acordo ratificado pode conferir aos quatro países – uma vez que acordos multilaterais como o que se propõe são raros no mundo –; e o avanço no cumprimento de metas de desenvolvimento sustentável da ONU. Ainda, o acordo fortaleceria os estudos, a cooperação na região a respeito do aquífero e o intercâmbio de conhecimento de boas práticas de gestão. “O Projeto Guarani criou uma rede de cooperação. Com o fim do projeto, as pessoas vão se afastando. O tempo passa e perdemos os contatos e a pauta do Aquífero Guarani perde força, o que é muito ruim. É dentro deste contexto que houve o nosso estudo”, afirma Ricardo Hirata.
Por que ratificar?
Com a ratificação do Acordo Guarani por todos os países envolvidos, segundo o professor, surgiria um órgão multilateral em forma de uma secretaria na região, com a função de coordenar e disseminar as informações coletadas sobre o aquífero. Atualmente, por não existir nada semelhante, boa parte da memória técnica gerada no Projeto Guarani está se desatualizando. Outra expectativa é que, com a entrada do acordo em vigor do Acordo, criem-se pólos de compartilhamento de informações, nos quais haveria sistemas de apoio para o ingresso de novos conhecimentos. “O Acordo Guarani impulsionaria os avanços. Não significa que tudo isso aconteceria automaticamente, mas abriria espaço para que realmente aconteça”, Hirata defende.
Para os pesquisadores que fazem parte do estudo, ratificar o Acordo é especialmente importante devido a complexidade do Aquífero Guarani, que requer esforços coletivos para entendê-lo. “Somente com o conhecimento global do aquífero poderemos realmente avançar na ciência que está por trás de toda sua complexidade geológica”, diz o professor. Essa complexidade existe porque o sistema de águas subterrâneas, em sua maior parte, é composto por paleoáguas, ou seja, águas com milhares de anos, que estão confinadas por basaltos profundos. Como a reposição desse tipo de água leva milhares de anos para acontecer, considera-se que, pelo menos 90% das águas do aquífero são um tipo de recurso que só poderá ser utilizado uma vez pela humanidade. De acordo com Hirata, tal característica torna a cooperação dos países a respeito das águas subterrâneas ainda mais importante: “Nós precisamos entender muito bem quais são as dimensões e as limitações do aquífero, porque só temos uma chance de aproveitá-lo. Talvez esta seja a principal razão que o acordo exista”.
Faça um comentário