Formação da identidade dos atletas olímpicos brasileiros migrantes é alvo de pesquisa no Instituto de Estudos Avançados

Pesquisadora se propõe a estudar de que forma a profissionalização do esporte e os deslocamentos nacionais e transnacionais impactam esses profissionais

Arte: Taís Ilhéu

O estudo da trajetória dos atletas olímpicos brasileiros tem sido há anos o tema central das pesquisas desenvolvidas por Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE). A partir deste ano, no entanto, ela passou a desenvolver em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) uma nova pesquisa. Ainda que mantenha correlação com esta temática o enfoque agora é a influência da migração nacional e transnacional na formação da identidade de atletas olímpicos brasileiros.

Segundo Katia, esses deslocamentos dos atletas começaram a se intensificar por volta da década de 90, por conta principalmente da transição da fase do amadorismo para o profissionalismo dentro do esporte olímpico. A tradicional migração das outras regiões brasileiras para o sul e o sudeste se tornou ainda mais marcante e a migração para o exterior começou a emergir. Estes deslocamentos transnacionais passaram a apresentar, a partir de então, um novo fator com os quais estes atletas que migravam  apenas dentro do Brasil ainda não tinham enfrentado. Agora não há apenas mudanças regionais, mas profundas diferenças culturais que começam pelo idioma e vão até os hábitos alimentares e as diferenças climáticas.

Infografia: Taís Ilhéu

Katia busca por meio de sua pesquisa entender quem é esse sujeito que migra e que vive intensamente este afastamento de suas raízes culturais e como se dá a formação da sua identidade neste processo em que ele se desloca em função do trabalho e por volta dos 30 e poucos anos (que geralmente é a idade de aposentadoria da maioria dos atletas) volta a sofrer uma mudança profissional e identitária já que não se encaixa mais em condições de atuar no esporte olímpico. Muitos deles não estão preparados financeiramente e psicologicamente para essa nova transição. “Em alguns casos fazem fortuna [os atletas olímpicos] e em outros casos nem tanta, mas de qualquer forma têm que viver uma morte em vida que é essa transição na carreira e que tem todos esses desdobramentos sociais e psicológicos”, explica Katia. Justamente por se tratar de um processo complexo, a pesquisa une diversas áreas do conhecimento, como a psicologia, a sociologia, o esporte e a antropologia.

A dificuldade de ajustamento ao pós carreira olímpica despontou como uma dificuldade a partir da transição para a fase do profissionalismo no esporte, justamente porque a partir de então o esporte olímpico não era mais uma atividade de distração ou uma simples “prática hedonista”, nas palavras da pesquisadora, mas porque agora esta prática se torna uma carreira e o atleta vive em função dela, não podendo assim se preparar profissionalmente para uma outra carreira que viria a exercer depois que a olímpica se encerrasse. Durante a chamada fase do amadorismo, o atleta geralmente se preparava paralelamente para outras funções e depois que parava de competir se tornava advogado, médico ou assumia qualquer outra profissão. Tanto a realização dos jogos olímpicos quanto o atleta passam a ocupar um novo lugar dentro dessa lógica profissional, que acompanha também as mudanças do mercado mundial e do processo de globalização. Em partes, o atleta é agora também um produto “Para ser um fora de série ele tem que passar a gerenciar a sua carreira dentro dessa nova ordem de mercado, que exige que ele seja um produto, que tenha uma marca, e não seja simplesmente uma máquina a oferecer resultados.” É este novo sujeito que a pesquisa de Katia busca compreender, já que de acordo com ela é preciso repensar toda a vida e toda a estrutura desse atleta que antes só tinha que treinar e competir.

Há também as particularidades do próprio processo migratório dos atletas olímpicos que não se observa em outras áreas profissionais. Embora as dificuldades culturais ainda estejam presentes, a dinâmica da fase profissional permitiu que as portas do mercado mundial se abrissem e facilitasse a entrada desses atletas estrangeiros. Um outro aspecto interessante ressaltado por Katia é o fato da língua, muitas vezes, não se colocar como um impeditivo na atuação profissional destes atletas, por conta da facilidade de comunicação por outros meios, como o gestual, por exemplo.

Todos estes fatores se colocaram como facilitadores para aqueles que já tinham os mais diversos motivos para migrar. Uma das intenções da pesquisadora é também entender estes motivos que desencadeiam o processo de deslocamento. No atual ponto da pesquisa, ela já consegue destacar algumas das motivações, que vão desde a busca por oportunidades de realização profissional, salários mais atrativos do que o mercado brasileiro, até questões mais subjetivas como o enfrentamento de um mundo desconhecido ou a realização de sonhos.

Katia espera de alguma forma lançar uma luz sobre essa questão para que atletas brasileiros não incidam no risco que os primeiros correram de se aventurar no exterior sem nenhuma estrutura e depois não conseguiram voltar ao Brasil por falta de recursos materiais. A maior parte dos relatos colhidos são de atletas que conseguiram retornar ao Brasil ou que eventualmente ela encontrou em viagens ao exterior, mas a intenção é captar recursos por meio de um projeto vinculado à Fapesp para ir ao encontro dos atletas que não voltaram ao Brasil.

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