Por Vinícius Bernardes Mondin Guidio – vguidio@ig.com.br
Nos últimos anos o IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — divulgou dados que mostram um avanço nos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quando comparado a anos anteriores. Apesar da melhora, o Instituto aponta a necessidade de expressivos esforços para uma maior qualidade no atendimento médico oferecido à população, de modo a enfrentar os crescentes desafios ligados à atual dinâmica demográfica. Entre as principais carências desse sistema, o atendimento obstétrico ainda se mostra com um grande entrave para o SUS. Com práticas desatualizadas e uma infraestrutura precária, a assistência às gestantes oferecida por esse sistema tem se revelado bastante deficiente. Preocupada com essa questão, a pesquisa Características do trabalho e experiências vivenciadas por Obstetrizes no SUS desenvolvida pelas professoras Nádia Zanon Narchi e Cláudia Medeiros, do curso de obstetrícia da Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH) da USP, discute essa questão apresentando as principais dificuldades para o exercício obstétrico no sistema público de saúde.
Segundo a professora Cláudia, o estudo foi desenvolvido a partir de entrevistas realizadas com profissionais do SUS ligadas aos cuidados às parturientes. Esse se pautou em uma abordagem qualitativa, visando traçar um panorama dos principais entraves para o pleno exercício dessa atividade. De acordo com a pesquisa, a gestão inadequada do serviço obstétrico pelo SUS tem contribuído para a potencialização das carências que esse apresenta, a medida que ainda é reduzida a preocupação com o problema. A precária e desatualizada forma com a qual o serviço obstétrico é realizado demonstra um elevado descaso à população, ampliando o abismo que separa o SUS de um serviço de qualidade.
Das entrevistas, nove participantes trabalhavam em hospitais e uma em um serviço de saúde de atenção básica. Segundo os dados coletados nos relatos, tais profissionais têm se deparado diariamente com uma precária infraestrutura de equipamentos — muitos sem manutenção — como também com poucos insumos e funcionários para atenderem a alta demanda em torno do serviço. Muitos dos hospitais analisados são geridos pela administração municipal e estadual e alguns pela Organização Social de Saúde. “Como são relatos de experiências profissionais vividas em serviços de assistência obstétrica que integram a rede, [torna-se fundamental um] aprimoramento na gestão do SUS”, destaca a professora.
O estudo revelou que diversas unidades do SUS se utilizam de práticas, muitas vezes, não recomendadas pelas evidências científicas — em função da desatualização dessas ações. O emprego de medidas atrasadas no tratamento médico potencializa a precariedade do serviço, ampliando a desumanização presente no atendimento oferecido ao paciente pelo serviço público. A professora ressalta que nas entrevistas foram frequentes as situações em que “a equipe [do SUS] chegava a atender 30 gestantes em um dia, o que compromete a qualidade da assistência oferecida.”
A pesquisadora destacou também a falta de conhecimento em torno da Obstetrícia como profissão, por parte das profissionais do setor. De acordo com ela, os relatos mostraram que muitas delas, de início, apresentaram um estranhamento com o exercício da atividade, em função do baixo esclarecimento da dimensão mais ampla de seu papel. O exercício obstétrico ultrapassa a função médica, abrangendo campos de natureza fisiológica, emocional e social — conforme aponta a docente.
A pesquisa mostrou ainda a problemática conjuntura de subordinação de corpos, presente no contexto diário do SUS. Muitos relatos apontaram uma elevada objetificação das pacientes nesse cenário, devido a um conjunto de intervenções desnecessárias durante o atendimento. Tais medidas, segundo a professora, alimentam apenas a dor e o sofrimento das parturientes, uma vez que não desenvolvem um sentimento de empatia dos profissionais em relação à mãe na construção de um atendimento humanizado.
Por outro lado, o estudo também revelou relatos de resistência a essas práticas. Diversas obstetrizes e enfermeiras têm lutado contra esse cenário, ao considerarem a mulher como protagonista do parto. Ações como essa, segundo a docente, possibilitam uma chance de reestruturação da atual forma de assistência. “A adoção de práticas baseadas em evidências científicas e pautadas no respeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres mostra aos profissionais de saúde e às usuárias dos serviços que a mudança é possível” afirma a pesquisadora.
Cláudia ressalta, ainda, a existência de projetos de melhoria na qualidade da assistência obstétrica do SUS. De acordo com a análise, o Ministério da Saúde (MS) tem buscado mudanças como a estratégia Rede Cegonha — que assegura às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e uma atenção humanizada à gravidez. Além disso, a professora destaca a necessidade de uma melhor formação de profissionais, de modo que as ações desses sigam as diretrizes do MS — possibilitando a inserção de mais obstetrizes no SUS. “A inserção das obstetrizes no SUS encontra apoio em recomendações da Organização Mundial da Saúde, que tem destacado que investir na formação e contratação de obstetrizes potencializa mudanças e contribui para melhorar a qualidade da assistência oferecida para as mulheres e recém-nascidos.”
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