A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU) foi reconhecida com uma menção honrosa no Prêmio Tese Destaque USP 2024, na categoria “Ciências Sociais Aplicadas”. A honraria foi concedida à pesquisa de doutorado de Diego Ricca, intitulada “Tear da Experiência: design baseado na atenção para a educação cotidiana em Realidade Estendida”. Sob orientação da professora Clice Mazzilli, o trabalho propõe um modelo inovador para o design de interfaces em realidades estendidas (XR), inspirado no funcionamento do Tear de Jacquard, precursor dos computadores modernos.
A inspiração no Tear de Jacquard
O Tear de Jacquard, criado no início do século 19, usava cartões perfurados para criar padrões complexos em tecidos, sendo um dos primeiros exemplos de um sistema algorítmico. Na tese, essa tecnologia é utilizada como metáfora para explicar o funcionamento da atenção humana em três camadas interconectadas.
No Tear de Jacquard original, a posição de um cartão perfurado alterava o padrão da malha, funcionando como um sistema de organização de estímulos. Da mesma forma, no processo de interação, estratégias de design aplicadas em diferentes momentos podem gerar resultados distintos: em um estágio inicial, podem atrair a atenção; em outro, podem provocar desinteresse ou cansaço.
Ricca é professor do curso de Design da Universidade Federal do Ceará, membro do Laboratório de Experiência Digital (LED), onde coordena o projeto LEDrx, voltado a produzir experiências em Realidade Estendida. Doutor e Mestre em Design pela FAU, ele conta que foi inspirado pelo funcionamento do tear, a partir do qual estruturou o modelo das camadas de atenção.
Elas são três: a primeira, chamada Camada Retilínea, é rápida e automática, baseada na memória de longo prazo, que não demanda esforço consciente. Exemplos incluem tarefas como dirigir ou caminhar. A segunda, a Camada Circular, é consciente e reativa, exige foco moderado para lidar com estímulos novos ou decisões imediatas. Por fim, a terceira, a Camada Espiral, é reflexiva e profunda, permite o aprendizado de conceitos complexos e a criação de novas conexões cognitivas.
“A metáfora do tear veio naturalmente enquanto eu estudava a história dessa máquina e os conceitos de esquemas mentais. A partir do momento que aprendemos algo novo, é como criar novos furos em um cartão perfurado ou sobrepor novos cartões. Essa imagem me ajudou a entender como organizar estímulos de forma que o aprendizado ocorra sem sobrecarregar a atenção do usuário”, explica Ricca.
Design baseado na atenção
Com a popularização de tecnologias como realidade aumentada, mista e computação espacial, o autor alerta para o risco de sobrecarga de atenção devido ao excesso de estímulos digitais. Na tese, Ricca propõe um modelo de design que organiza esses estímulos nas camadas, promovendo uma experiência mais fluida e eficaz.
“A gente vive num momento em que a atenção está se tornando cada vez mais uma moeda de troca, um recurso muito escasso dentro do nosso cotidiano. É por isso que estratégias narrativas e organizacionais são tão importantes no design dessas interfaces”.
Entre os projetos desenvolvidos ao longo dos 5 anos de doutorado, destaca-se o aplicativo Conversas de Altamira, que utiliza realidade aumentada em mobiliário urbano para contar histórias de Fortaleza por meio de quadrinhos animados. Outro exemplo é o projeto Co.Necto, fruto de uma parceria entre a Universidade Federal do Ceará, na qual Ricca leciona, e o Museu da Imagem e do Som do Ceará, no qual foram criadas instalações interativas com base no modelo do Tear da Experiência.
Ricca também destacou o potencial de sua pesquisa para a educação cotidiana. “Queria levar o aprendizado informal para fora dos muros das instituições, espalhando essa possibilidade no cotidiano das pessoas. O Tear da Experiência é uma estratégia para criar novas maneiras de contar histórias, algo que considero essencial no aprendizado.”
Ricca ressaltou a formação na FAU como altamente interdisciplinar, o que o estimulou a envolver em sua tese áreas como pedagogia, psicologia e comunicação. Dessa forma, a pesquisa contribui para áreas além do design de interfaces digitais, propondo a gestão mais efetiva da atenção em tempos de sobrecarga informacional. “Essas estratégias podem ser usadas não apenas por designers, mas por qualquer pessoa que queira organizar estímulos de forma eficaz, seja para dar uma palestra, escrever um texto ou criar uma experiência digital imersiva”.
Embora tenha como foco principal a educação, Ricca destaca que o modelo do Tear da Experiência tem aplicações mais amplas. “A educação é onde me concentro no nível espiral, mas o modelo também é útil em tecnologias de comunicação, aplicativos financeiros e até na interação com dispositivos como smartwatches, que frequentemente desviam nossa atenção”, afirma. Ele sugere que o modelo pode ajudar a organizar as experiências, reduzindo distrações e promovendo interações mais eficazes e humanas.
Ricca também demonstrou preocupação com o uso indiscriminado de estratégias de design que incentivam comportamentos viciantes, que resultam no “scroll infinito” das redes sociais. Para ele, o uso da arte no processo da criação das experiências pode estimular o usuário a repensar as próprias plataformas nas quais acessa as experiências. “Minha proposta é que a estética e a narrativa possam questionar essas engrenagens e ajudar as pessoas a sair desse ciclo de distração constante”.
O reconhecimento da USP à tese de Diego Ricca evidencia a importância de repensar como as tecnologias podem ser desenhadas para respeitar e otimizar a atenção humana, promovendo interações mais significativas e menos intrusivas.
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