A partir de 2020, novas regras de rotulagem de produtos alimentícios foram implementadas no Brasil, o que visa aumentar a transparência para os consumidores sobre a composição dos alimentos. Essa obrigação das marcas informarem aos consumidores sobre a quantidade desses e outros componentes impulsiona o desenvolvimento de versões com menores teores ou sem esses ingredientes para não perder um mercado de consumidores que preza por alimentos mais saudáveis ou possui restrições alimentares.
Tradicionalmente rico em açúcar, o chocolate amargo desenvolvido por Damaris Costa, engenheira química e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, contorna o novo rótulo pela substituição do açúcar por edulcorantes, como xilitol e estévia, e fibras de mandioca na sua produção. A formulação combina esses itens para equilibrar aspectos sensoriais e é uma alternativa de doce àqueles que possuem restrições alimentares a sacarose, como portadores de diabetes, ou aos que prezam por um menor teor calórico.
“Além de adoçar, o açúcar também dá estrutura aos chocolates. Quando ele é retirado, os produtos podem perder suas características originais”, detalha.
“No chocolate, que contém entre 50% e 60% de açúcar, dependendo do tipo, essa alteração se torna ainda mais complexa. Embora não pareça, o chocolate é delicado”, explica a pesquisadora. Para avaliar esses parâmetros e características físico-químicas, ela comparou seu doce com 9 amostras de mercado elaboradas com e sem sacarose, dos tipos amargo e ao leite, e obteve uma versão final satisfatória em comparação às mercadorias disponíveis à venda e padrões de qualidade.
Apesar de bem sucedida a substituição, o material desenvolvido obteve maior tixotropia, ou seja, possui viscosidade maior e um comportamento sob estresse diferente, mas sem alterar a experiência ao comê-lo. Essa fluidez diferente traz desafios para a temperagem manual em larga escala de confeiteiros e o torna mais apropriado para aplicações industriais, como em gotas.
Diferenças e similaridades
Devido à pandemia, a realização de um painel sensorial em larga escala com voluntários externos não foi possível. Como alternativa, a engenheira reuniu sete colegas do laboratório para avaliar a textura, cor, sabor e outras características do produto em comparação com outros à venda. A falta de um painel mais amplo foi compensada pela caracterização detalhada. Os resultados indicaram que o sem açúcar apresentou pequenas variações em textura e cor, ficando levemente mais firme, mas ainda dentro dos padrões aceitáveis.
“Alguns participantes, inclusive, preferiram a minha versão em relação às convencionais”, Damaris conta. Além da avaliação qualitativa, testes de vida de prateleira foram realizados e mostraram que 25 semanas são necessárias para modificar suas características como textura e cor, o que indica boa durabilidade ao comparar com outras fórmulas vendidas. A tixotropia foi uma das poucas mudanças significativas, pois é maior do que a convencional, o que significa que ele tem mais resistência ao manusear, é mais viscoso.
Essa diferença é vantajosa para aplicações industriais, como a produção de gotas de chocolate, que precisam solidificar rapidamente para manter o formato. No entanto, também torna a temperagem manual mais difícil, pois exige maior precisão e rapidez no processo para evitar defeitos. Outra característica destacada é que, como muitas das mercadorias sem sacarose da comparação, a formulação criada apresentou um ponto de carbonização mais baixo e resiste apenas até 180°C de temperatura. Isso inviabiliza seu uso em receitas de forno, como em bolos e tortas, sem comprometer a qualidade.
Além dessas comparações, questionamentos sobre o edulcorante utilizado ser cancerígeno podem surgir, mas ela esclarece que “nem todos os edulcorantes apresentam riscos cancerígenos comprovados e aqueles associados a esse risco, como o aspartame, possuem limites de uso seguros estabelecidos por órgãos regulatórios”. No entanto, o aspartame não foi considerado ideal para chocolates devido algumas de suas características como a baixa resistência ao calor, o que agravaria seu caráter não-forneável.
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