Pesquisadores apontam os perigos de usar o celular ligado na tomada durante tempestades

Brasil registra dez mortes causadas por correntes de raios em aparelhos eletrônicos entre 2021 e 2023

Foto de raio atingindo torre de transmissão de energia em um campo aberto.
A ocorrência desse tipo de acidente é mais comum em regiões rurais. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Utilizar o celular enquanto carrega na tomada pode ser perigoso em períodos de chuva. Quando raios atingem a rede elétrica, podem chegar em pontos da tomada e causar choque em quem estiver em contato com um equipamento eletrônico. Esses casos já causaram 12 acidentes no Brasil entre 2021 e 2023, dos quais dez foram fatais. Os dados foram obtidos pela análise de notícias publicadas na internet e cruzados com registros meteorológicos.

O estudo foi conduzido por Danilo de Souza, Milton Shigihara e Hélio Sueta, do Grupo de Descargas Atmosféricas e Alta Tensão (Cendat/USP) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP). Apresentado no Electrical Safety Workshop (ESW2024) nos Estados Unidos, ele analisa acidentes elétricos causados pela queda de raios e o uso de smartphones ligados na tomada.

Danilo de Souza, em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), destaca que o risco existe com outros equipamentos eletrônicos, mas eles não ficam tão próximos do corpo humano quanto os smartphones. “A televisão e o rádio estão longe, dificilmente alguém toca na geladeira no momento de um raio, mas o celular fica durante muito tempo em nossas mãos. Isso aumenta a probabilidade de acidentes”, afirma.

Mortes no Brasil

A pesquisa foi motivada pela identificação de registros de acidentes que envolvem raios e aparelhos de celular. “Trazemos um cenário estatístico com todos os acidentes de energia elétrica no ano pelas notícias de jornal e encontramos algumas causas pouco estudadas”, afirma Souza.

Acidentes foram identificados por meio de notícias da internet e checados com seu contexto meteorológico. [Imagem: Reprodução/Metrópoles]
Primeiro, os pesquisadores definiram palavras-chave relacionadas a choques elétricos e smartphones no Google Alerta. Depois, leram, filtraram e registraram em um banco de dados cada ocorrência dessas palavras em veículos de notícia. Então analisaram os casos a fim de verificar se os choques no celular estavam relacionados aos raios, por meio de dados meteorológicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de relatos de pessoas que vivenciaram o acidente.

Como são casos muito específicos e raros, é difícil identificar se um choque comum ocorreu ou se foi uma corrente oriunda de raio. “Muitas notícias [que relacionavam o choque do smartphone com raios] foram descartadas porque eram apenas choques normais da corrente elétrica”, comenta.

O caminho do raio

Para que a corrente elétrica oriunda do raio chegue até a mão de alguém com um celular, a descarga deve atingir uma rede de baixa ou média tensão, como postes de distribuição de eletricidade. A corrente então percorre os fios condutores até as tomadas da casa. Depois, ela passa para o carregador do smartphone, para a mão da vítima e então para o resto do corpo humano.

A imagem ilustra o caminho que o raio percorre: rede elétrica de média tensão, transformador, rede elétrica de baixa tensão, carregador de smartphone, acoplamento entre o smartphone e a mão da vítima e o corpo humano, respectivamente.
O celular não atrai o raio, mas é um caminho para que a descarga elétrica que está na rede chegue até o corpo humano. [Imagem: Reprodução/Are we safe from lightning inside buildings?, de Danilo de Souza e outros]
Os registros de acidentes são muito mais frequentes em áreas rurais do que em urbanas. Souza explica que “em uma cidade muito vertical, prédios altos geralmente têm um sistema de proteção, de modo que há muitos locais para a descarga atingir antes de chegar na distribuição”. Em regiões afastadas das cidades, o cabo da rede elétrica é na maioria das vezes a parte metálica mais alta em relação ao solo.

O choque

A corrente elétrica do raio é perigosa a depender de por onde ela passa. “Se uma corrente de 200 amperes passar pela mão de uma pessoa, ela pode sobreviver, mas se uma corrente mil vezes menor passar pelo coração, pode causar fibrilação ventricular e levar à morte”, explica Souza. O foco do estudo foi desenvolver modelos para ver se é possível morrer com o celular na mão por um raio.

A foto mostra um celular envolvido por um papel alumínio que representa uma mão e fios ligados ao sistema.
Para montar um circuito equivalente que representasse a corrente que passa da tomada para o carregador e do celular para a mão, testes de modelos foram feitos em laboratório do IEE. [Imagem: Reprodução/Are we safe from lightning inside buildings?, de Danilo de Souza e outros]
Com a junção de modelos do corpo humano já validados e os testados em laboratório, a simulação foi feita em software e mostrou que picos de corrente no coração chegaram a 23 amperes. Como o choque do raio é de alta frequência, ainda não se sabe a partir de qual valor a vida da vítima está em risco. Para baixas frequências, o valor é de 30 miliamperes. “O que se sabe é que essa corrente provoca danos severos ao corpo e pode causar fibrilação ventricular”.

Representação de corpo humano por sistema elétrico.
Circuito equivalente do carregador e do acoplamento entre a mão da vítima e o smartphone. [Imagem: Reprodução/Are we safe from lightning inside buildings?, de Danilo de Souza e outros]

Como se proteger?

Danilo de Souza indica algumas precauções para não se expor a choques de correntes oriundas de raios, como remover equipamentos eletrônicos ligados na tomada e evitar tocá-los quando estiver chovendo. É recomendada também a instalação de dispositivos de proteção contra surtos (DPS) no quadro de distribuição e nas tomadas para diminuir a corrente de raios. Além disso, ele ressalta a importância de garantir que o sistema de aterramento da residência esteja em boas condições.

O pesquisador relembra que esses são casos muito específicos com poucas mortes, mas que podem acontecer principalmente no Brasil, que é o país em que mais caem raios no mundo. Souza explica que as mudanças climáticas têm aumentado a incidência de tempestades elétricas: “A situação que já era preocupante tende a piorar.”

Sobre Lucas Lignon 3 Artigos
Lucas Lignon é estudante de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Na AUN, é setorista responsável pela cobertura do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP) durante o primeiro semestre de 2024. Tem enfoque nas áreas de Meio Ambiente, Política, Economia, Internacional, Jornalismo de Dados, Diversidades e Tecnologia.

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