Hoje, caso defrontados com o diagnóstico do câncer de bexiga, a maioria dos brasileiros se encontraria em meio a um verdadeiro impasse. Fora dos consultórios médicos, na internet e nas redes sociais, o acesso à informação acerca da condição se divide na maioria das vezes entre o demasiadamente técnico ou o simplesmente desinformativo. Isso, somado à escassez de grupos de apoio oficiais para os portadores desse câncer no país, faz com que a aderência ao tratamento extenso e agressivo seja cada vez mais prejudicada.
Foi pensando nesse cenário que estudantes da Escola de Comunicações e Artes membros do Laboratório Interfaces Digitais, Experiências e Inteligência Artificial (Ideia) se propuseram a criar um protótipo de aplicativo que, através de recursos lúdicos e informações direcionadas, auxiliaria pacientes com câncer de bexiga ao longo de seu tratamento. Por meio da metáfora de um barco que veleja de ilha em ilha, o software acompanha o usuário ao longo de sua jornada por cada nova etapa do tratamento do câncer, providenciando informações personalizadas de acordo com o perfil e a situação específica de cada pessoa e registrando cada novo passo dado por meio de um diário de expedição.
O progresso é representado por meio de um mapa em que cada ponto da terra firme corresponde a uma nova tarefa a ser realizada, que vão desde coleta de dados sobre o usuário até tarefas externas – comunicar alguém de fora do círculo familiar sobre a condição, ouvir uma música, criar um depoimento para si mesmo no futuro, ou até mesmo as próprias etapas do tratamento, como a quimioterapia. A própria topologia do terreno, com partes mais planas ou mais íngremes, representa a dificuldade de cada estágio desse processo.
Tudo se baseia no conceito de uma jornada. Como aponta o professor Luli Radfahrer, que orienta o projeto, “uma das primeiras coisas que eles falam logo na entrada é que esse câncer tem cura, mas isso não significa que o seu especificamente terá. Só que, para sair dessa situação, você precisa entrar nessa jornada. Você se transforma”, afirma. “Você vai ter que avisar a família, ter que mudar seu regime de trabalho, ter vários problemas de saúde, vai enfrentar um monte de coisa e vai saber como é que você vai sair do outro lado.”
A interação com o aplicativo se dá inteiramente por meio de seu chat automatizado, que incorpora a voz de outro paciente com câncer de bexiga mais experiente, que já passou por todo o tratamento e não é um profissional da saúde. Assim são providenciadas informações médicas úteis para o usuário de acordo com as suas necessidades, mas sempre reforçando a importância dos exames, da consulta profissional e de cada nova etapa do tratamento. Segundo o professor, “a ideia é sempre fazer um diálogo para incentivar a pessoa a ir reforçar a visita ao médico.”
Ele também acrescenta: “Talvez a última mensagem que ele recebe no continente é: ‘olha, você saiu, mas o preço disto aqui é você se manter vigilante, então você quer que a gente mande uma notificação daqui a um, dois, três anos,para lembrar de refazer os exames todos?’. E aí o aplicativo meio que sai do telefone da pessoa e só fica agendada no calendário uma volta para o médico. Mas o aplicativo não é mais ativo, porque a sua jornada já acabou.”
Os diálogos foram desenvolvidos com base em um modelo de persona, que, como explica Radfahrer, “é um objeto de dados no formato de gente. Você inventa um personagem que não existe, mas ele é um conjunto das médias, aí eu começo a me comunicar com essa pessoa. Eu começo a imaginar como é o conteúdo e o cotidiano dessa pessoa e quais são as tarefas que o problema que o nosso produto vai solucionar”.
O desenvolvimento do projeto contou com a consultoria de diversos profissionais, entre eles, médicos, enfermeiros e psicólogos, algo que foi importante não apenas para assegurar a qualidade das informações fornecidas como também para a própria testagem do aplicativo, que não poderia ser feita com os pacientes. “A gente conversou com duas pessoas do game design”, revela Lara Soares, uma das estudantes que compõe o Laboratório. “Porque, como é um tema muito complicado, muito delicado, temos que achar um limite certinho de até onde você pode gamificar, tornar lúdico, para não acabar banalizando a dor da pessoa, mas, sim, engajá-la com o seu tratamento, com o cuidado com o seu próprio corpo e consigo mesma.”
Segundo Radfahrer, o protótipo será divulgado quando for completo, o que está previsto para agosto deste ano. “Na pior das hipóteses, a gente divulga o protótipo, divulga a ideia e estimula as pessoas que trabalham com o tratamento de pacientes a desenvolverem coisas diferentes”, afirma. “Se isso servir como incentivo para alguém para melhorar a interface, então ótimo, fizemos a nossa parte.”
O programa está sendo conduzido pela primeira turma do Laboratório Ideia, um projeto de extensão, pesquisa e iniciação tecnológica (IT) criado pelo professor Luli Radfahrer com ênfase na temática de User Experience (UX).
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