O jornalismo esportivo construiu uma narrativa violenta das torcidas organizadas

[Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Ao debater futebol, não raramente, esbarra-se em um discurso pessimista, o qual enxerga o esporte bretão como uma prática lúdica, corrompida pelo fanatismo e violência das torcidas organizadas. Essa visão, por vezes justificada — como no caso dos Hooligans, da Inglaterra, na década de 1980 —, é fruto de uma narrativa construída, desde o princípio, no imaginário popular. Em seu trabalho de doutorado, “Torcidas organizadas e jornalismo esportivo: discursos sobre violência no futebol”, Marcelo Fadori Soares Palhares procura questionar essa convenção e jogar luz à mídia esportiva.

Contexto das organizadas

Com a orientação do Prof. Dr. Ary Rocco Jr., o doutorando levantou matérias esportivas publicadas entre os anos de 1969 — quando foi fundada a Gaviões da Fiel, primeira torcida organizada do país — até 2020. Para a amostra, Palhares restringiu-se a três veículos: Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e Revista Placar. A partir da análise, pôde-se identificar uma padronização dos discursos presentes nas reportagens. Sua maior parte trata a respeito da fidelidade, fiscalização – referente à cobrança e pressão exercida — e violência.

No entanto, identifica-se como a abordagem desse aspecto combativo não se estende à integridade. Ou seja, nas manchetes estampadas em capas de jornais e revistas, nunca se enxergou a violência por suas outras facetas. A homofobia, o racismo e a xenofobia, por exemplo, não se conectam à palavra talhada nas matérias. Para o pesquisador, essa prática de distanciamento de signos correlatos instaura uma falsa sensação de paz, quando não se testemunha um confronto físico.

Assim, a mídia consolidou sua lógica pragmática. Se houve briga, a violência tomou as arquibancadas a partir da explosividade das organizadas. Se não houve, a paz reinou por mais um belo espetáculo de bola. Todavia, caso se olhe para além das páginas de jornal, a realidade é outra. Esse sistema fechado omite eventos e circunstâncias desastrosas. Para se manter o ideal de paz, empurra-se para fora das quatro linhas o desrespeito, abuso de poder dos policiais, insultos e muitos outros. 

Atitudes de resposta

O cessar da chamada violência nos estádios não deve ter bode expiatório algum, tampouco as torcidas organizadas “Isso levaria esses grupos para a clandestinidade, dificultando, assim, medidas preventivas, bem como o diálogo com essas instituições. Deve-se apontar que diversos atores do cenário do futebol possuem responsabilidade neste contexto: os clubes, as federações, os meios de comunicação, a polícia, os atletas”, indica Palhares.

Há, inclusive, um esforço de parte das organizadas em se desvencilhar — ao menos — da concepção de violência adotada pela imprensa e destinada a elas. Não raramente, as entidades promovem campanhas de combate à violência física e agendam reuniões com órgãos públicos e privados do mundo esportivo para tratar a respeito do assunto. 

Para além do desporto, as torcidas organizadas possuem um papel social perante sua comunidade. Um grupo/sempre será símbolo de luta, identificação e companheirismo. Logo, ao unir por uma causa às vezes irracional, indivíduos tão distintos, essas instituições possuem o poder de mobilizar setores inúmeros setores da sociedade. Inclusive, pelas palavras Palhares, até os não atingidos pelo poder público.

As organizadas precisam ser vistas como oportunidades. No entanto, antes disso, é preciso reverter uma chave que começou a ser virada 53 anos atrás. “Este espaço poderia ser utilizado, inclusive, para a construção de valores positivos e participação cidadã, de modo ativo. É um espaço no qual o indivíduo pode se expressar, participar  e pertencer a uma coletividade, de modo genuíno e desinteressado”. 

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