Poluentes químicos de tintas para embarcações impactam moluscos

Pesquisa revelou a masculinização de fêmeas de caramujos marinhos, causada pela utilização de produto proibido para uso em cascos de navios

lares de moluscos marinhos encontrados comumente em praias. – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Uma pesquisa de doutorado realizada no Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO-USP) revelou um fenômeno preocupante, chamado imposex, que está afetando moluscos marinhos que vivem à beira da praia, causado pelo uso ilegal de substâncias poluentes em tintas para embarcações.

O animal da espécie Hastula cinerea vem sofrendo com este incidente por conta de poluentes, usados como anti-incrustantes e antivegetativos, para eliminação de elementos e seres que se acumulam nas carcaças de veículos de navegação. Marília Ragagnin, pesquisadora e autora da tese de doutorado, explica que tais substâncias, principalmente o Tributil Estanho (mais conhecido como TBT), apesar de serem proibidas há mais de duas décadas, ainda são usadas ilegalmente por algumas embarcações, mais especificamente em suas tintas.

Tais substâncias são poluentes orgânicos, derivados do petróleo ou da queima de combustíveis fósseis, geralmente associados a áreas portuárias. Também são substâncias hidrofóbicas (insolúveis em água) e, portanto, demoram um tempo muito maior para ficarem fora de circulação das águas marinhas.

O fenômeno

O que acontece é que, ao estarem sujeitas à absorção por elementos marinhos capazes de reter o poluente, o que quer que a absorva sofrerá as consequências de suas toxicidades. E este é o caso dos moluscos marinhos, que estão sofrendo com o imposex.

Em entrevista para a Agência Universitária de Notícias, Marília explicita este fenômeno: “Basicamente é o processo de masculinização das fêmeas. Isso ocorre quando elas começam a desenvolver um pênis, além de outras características masculinas. Mas nenhum desses órgãos e elementos são funcionais”. 

Quando estes poluentes são absorvidos pelos organismos das fêmeas, eles alteram e impedem as ações dos hormônios femininos, ativando e tornando sobressalente a atuação dos hormônios masculinos. “Então, elas não são mais fêmeas, pois suprimem suas características, mas também não se tornam machos funcionais”, completa Marília.

A realização da pesquisa

A pesquisa se concentrou no litoral norte do estado de São Paulo, com amostras de fêmeas de moluscos marinhos coletadas em cerca de 80 praias da região, e revela o uso dessas substâncias poluentes, principalmente do TBT, nestas áreas. A partir das amostras, foram realizadas análises químicas de cada uma das espécies, para avaliar e identificar o imposex entre as fêmeas.

Marília comenta que, para a pesquisa, não foram analisadas todas as praias da região, mas que houve um foco naquelas que possuíam algum histórico e/ou contexto de circulação marítima, como praias próximas de portos, marinas e clubes náuticos. No total, em 14 praias foi identificado o imposex. E alguns números se mostraram alarmantes: na praia de Perequê-Mirim, na cidade litorânea de Ubatuba, 100% de todas as fêmeas analisadas estavam com a masculinização em desenvoltura.

“Também é necessário olhar para o contexto de localização destas praias. Se a gente for olhar o contexto da área onde essa praia [Perequê-Mirim] se localiza, veremos que ela é uma baía fechada, com pouca circulação de água, então a gente já sabe que regiões que são lugares mais abrigados, vão existir pouca movimentação. A água do mar demora mais tempo para se renovar ali dentro, e por isso os poluentes ficarão retidos por mais tempo ali.”

O principal objetivo da pesquisa de Marília é utilizar a identificação do imposex nas áreas observadas como uma forma de indicar a presença deste tipo de poluição e monitorá-la em regiões costeiras. A partir deste monitoramento, pode ser possível um esforço maior de autoridades competentes no sentido de alocar recursos necessários para reforçar as regulações e leis contra o banimento do uso do TBT e outras substâncias poluentes.

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