Os paradoxos de Regina Silveira e a resistência pela arte

Tema de exposição no Museu de Arte Contemporânea, os trabalhos de Regina Silveira lançam uma perspectiva sobre os problemas sociais da América Latina

Regina Silveira deu detalhes sobre seus 70 anos de carreira [Reprodução/YouTube]

Aos 13 anos de idade, Regina Silveira iniciou sua carreira artística com o intuito de questionar. Seus trabalhos refletem a inconformidade com o cotidiano social da América Latina, manchado pela influência colonial e o militarismo. Hoje, aos 83 anos, Regina é uma das principais artistas brasileiras de sua geração. Com influência internacional, novos holofotes foram lançados a sua carreira por meio da exposição Regina Silveira: Outros Paradoxos, mostra gratuita realizada pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP).

Ao receber a Agência Universitária de Notícias em seu ateliê, Regina revelou que não costuma deixar suas obras expostas no local. “Não gosto de olhar para o passado, quero inovar”, afirma. A perspectiva futurista de seus trabalhos, entrelaçado com as ironias da problemática formação da identidade latino-americana, são alguns dos pontos notados em seu acervo. Nunca estagnada, a artista não deixa de conversar com a história brasileira; para tanto, a busca por novos meios de produção é o que permite o teor autêntico e inédito de suas obras.

Regina começou sua carreira por meio da pintura. Jovem premiada, sua primeira exposição foi realizada em 1957, quando tinha apenas 18 anos. Com bacharelado em pintura pelo Instituto de Artes do Rio Grande do Sul, na década de 1960, a porto-alegrense lançou trabalhos feitos em xilogravura. Seu pai, que era médico, queria que a filha investisse em estudos mais sérios. Foi então que, durante dois anos, passou a realizar terapias artísticas em um manicômio do estado sulista.

“Não havia atividades no local. Eram pessoas que não falavam, que perderam o contato com o mundo”, explica. Por meio da série As Loucas (1968), Regina se tornou porta-voz para a luta antimanicomial ao destacar a importância da inclusão de pessoas com problemas psiquiátricos na sociedade. Além disso, a artista criou novas perspectivas sobre a xilogravura, arte menosprezada na época. “Vi um mundo mágico de potencialidades”, diz.

A separação da pintura

Apesar de uma carreira previamente estabelecida, a porto-alegrense ansiou por novos caminhos. Ao viajar para o exterior e ter contato com diferentes movimentos artísticos, a artista se reposicionou no meio. Regina descreve o processo como uma tábula rasa, na qual passou a desenvolver um olhar político por meio das artes plásticas. “A arte e as imagens possuem um funcionamento político”, ressalta. “Precisava mudar. Comecei com colagens, entendi a linguagem das formas e mudei minha cabeça. Vim para o presente na cena.”

A perspectiva política de Regina fez com que ela atuasse na linha de combate à ditadura militar. Em 1961, quando as movimentações contra o então presidente João Goulart se iniciaram, a artista participou do Comitê de Defesa da Democracia e chegou a se alistar, como forma de lutar contra o militarismo dentro do próprio sistema. No entanto, em 1964, o golpe a deixou sem reação. “Era uma questão de desconhecimento e ignorância da outra parte. A cena artística enfrentava um período perigoso”, conta.

Essa crítica ao poder é algo que passeia por seus trabalhos. Em To be Continued…Quebra-cabeça da América Latina (1992), Regina brinca com a fragilidade da formação dos países no continente. A obra traz mais de 100 imagens que reforçam os estereótipos da região e o olhar colonialista que fragmentou a identidade dessas nações — algo que, segundo a artista, talvez nunca seja superado.

To be Continued…Quebra-cabeça da América Latina exposta no MAC [Imagem: José Vieira]
Já em Paradoxo do Santo (1994), Regina une Santiago Apóstolo, patrono militar da América espanhola, e Duque de Caxias, patrono militar do Exército brasileiro, em uma obra que questiona aquilo que vai além das aparências. Por meio de sombras ampliadas, a artista convida o espectador a refletir sobre como tais personas influenciaram problemas sociais ainda enfrentados pela sociedade, como a destruição das culturas indígenas.

Paradoxo do Santo está em exibição no MAC [Imagem: José Vieira]

Regina e a Universidade de São Paulo

A relação entre Regina e a USP existe há décadas. Para a artista, o Museu de Arte Contemporânea sempre foi referência por trazer debates sobre as artes experimentais. Em 1974, Regina se tornou professora da Universidade ao contribuir para a criação do primeiro programa de pós-graduação em artes visuais do País, na Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP).

Regina Silveira: Outros Paradoxos está aberta para visitação no MAC. De acordo com a instituição, além de se referir ao Paradoxo do Santo, o título homenageia a artista por meio da “inquietação característica de sua atitude questionadora diante da vida e da arte”. Com entrada gratuita, a mostra funcionará até 6 de novembro deste ano, de terças a domingos, das 10 às 19 horas. Para mais informações, clique aqui.

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