Exercício físico realizado por ciclistas entregadores não resulta em qualidade de vida

Estudo feito na Escola de Educação Física e Esportes da USP acompanhou a saga dos ciclistas e levantou problematizações a respeito das condições oferecidas

Foto: Freepik

Pesquisa conduzida por Eduardo Rumenig Souza, para sua tese de doutorado, e orientada pelo professor Luiz Dantas na Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) indica que o exercício físico realizado pelos ciclistas entregadores não reflete em qualidade de vida.

Em entrevista, os pesquisadores deixaram claro que a qualidade de vida em questão não se trata apenas de aspectos físicos, mas também do bem-estar e da oportunidade de viver uma vida digna, com liberdade, autonomia e qualidade.

A partir desse entendimento, o estudo foi conduzido através de um acompanhamento diário de quatro horas, realizado ao longo de seis meses, do trabalho e do esforço dos ciclistas entregadores por Eduardo.

Durante esse período, o pesquisador realizou medições qualitativas e quantitativas, além de criar uma etnografia do grupo estudado. “Compreendemos que a perspectiva mais adequada para esse intento (compreender o trabalho dos ciclistas) seria a etnografia, que a rigor consiste em observar o cotidiano a fim de apreender as relações e interações sociais e, a partir desse microcotidiano, depurar padrões de sociabilidade”, afirmou o pesquisador.

No período do estudo, foram colocados aparelhos para fazer a medição da poluição atmosférica e a intensidade e o esforço físico enquanto. “Dispondo da dinâmica dos poluentes atmosféricos, do comportamento cardiorrespiratório e do padrão de viagens dos ciclistas, foi possível estimar a inalação de poluentes, os territórios onde essa inalação foi crítica, e os possíveis riscos de mortalidade deflagrados por essa exposição”, disseram.

Ao final desse período, em termos estritamente biológicos, foi concluído que o risco de mortalidade gerado pela exposição à poluição atmosférica foi menor nos cinco ciclistas analisados em relação às pessoas que se locomovem via veículos automotores. Isso ocorre pois o exercício físico produz respostas anti-inflamatórias nos organismos, que tendem a sofrer com processos inflamatórios, quando em contato com poluição.

Porém, os pesquisadores ressaltam que o estudo foi conduzido durante a pandemia da covid-19, quando a quantidade de veículos automotores circulando era menor e, consequentemente, a poluição também.

Apesar dessa conclusão, diante das observações no estudo um dos fenômenos notados foi a gamificação dessa forma de trabalho. “A gamificação é o modo como os algoritmos gerenciam os trabalhadores. Usualmente emprega o léxico dos jogos e do universo lúdico da competição para engajar as pessoas no trabalho e estimular a eficiência e a concorrência”, explicaram Eduardo e Luiz.

A partir desse fenômeno, os aplicativos utilizam um sistema que imita o de um jogo, utilizando-se de recursos audiovisuais, para recompensar o esforço do trabalhador. Ainda sobre o tema, os pesquisadores afirmam que isso “pode estar associado a um comportamento de risco, como doenças ocupacionais ou sinistros de trânsito”.

Nesse caso, apesar do resultado positivo quando comparado com pessoas que se locomovem por veículos motorizados, os ciclistas entregadores se tornaram reféns e vítimas do sistema utilizado pelos aplicativos, que os colocam constantemente em risco de vida e perigo diário.

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