Policiais recebem treinamento para melhorar o combate ao crime organizado nas fronteiras

Treinamento em segurança estratégica oferecido pela USP preparou 3,5 mil agentes na divisa entre Brasil, Paraguai e Argentina; especialista explica crime organizado na região

Arte sobre foto de agentes de segurança da Polícia Federal - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As cidades de Foz do Iguaçu, Ciudad del Este, e Puerto Iguazú compõem a tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. A região é estratégica na rota do tráfico ilegal de mercadorias, em particular da cocaína e da maconha. O combate ao crime fica a cargo das forças policiais, que enfrentam dificuldades em atuar contra complexas redes de criminalidade. Em resposta a isso, a Escola de Segurança Multidimensional (Esem), que faz parte do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI), oferece treinamentos de formação de agentes da região.

Em 2021, cerca de 3,5 mil policiais participaram do curso “Segurança Multidimensional nas Fronteiras”. Os alunos dos três países aprenderam sobre o funcionamento das organizações criminosas e formas de cooperação entre agentes de diferentes entidades. Leandro Piquet, professor do IRI e coordenador da Esem, conta que um dos objetivos principais é favorecer a colaboração entre organizações de segurança, o que representa uma das principais dificuldades na investigação de crimes transnacionais.  

Atuação policial

Segundo Piquet, na Tríplice Fronteira, assim como em outras regiões fronteiriças, a presença policial tem uma atuação muito limitada contra o crime organizado. “As organizações criminosas têm mais recursos financeiros que a polícia. É um dinheiro que consegue comprar barcos, carros, aviões e criar uma rede de articulação às vezes melhor que da polícia, e que se espalha sem precisar respeitar a jurisdição de outro país”. 

Professor IRI e Coordenador da Esem – Foto: divulgação/Esem

Para exemplificar a complexidade da organização, o professor lembra o caso dos atravessadores do Rio Paraná: “A todo momento você tem barcos de contrabandistas cruzando o rio. São pessoas especializadas em levar de um lado para outro qualquer tipo de coisa, pode ser pessoas, drogas, cargas roubadas, o que for. Eles são responsáveis só pelo frete. Então você vê que funciona como uma empresa, com divisão de tarefas e muito dinheiro”. 

Victor Lima, que é policial rodoviário federal e trabalha na Tríplice Fronteira do Brasil, Bolívia e Paraguai, conta que, na prática, o sentimento é de frustração. Ele aponta que as três entidades brasileiras responsáveis pelo combate à atividade criminosa nas fronteiras a Polícia Federal (PF), a Receita Federal e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) têm uma quantidade de servidores insuficiente para fazer uma fiscalização detalhada. 

Em razão da falta de pessoal, Lima diz que os agentes precisam lidar com a sobrecarga, que fica mais difícil em um contexto de tensão constante. “A gente faz apreensões de muitas coisas, até porque esse é o nosso trabalho, mas ao mesmo tempo faz com que a gente caia numa realidade de enxugar gelo, e o que acaba frustrando, as pessoas vão se cansando, se sobrecarregando”. 

O policial destaca que as forças que atuam na região também enfrentam problemas logísticos. Apesar da PF, PRF e Receita terem sistemas robustos de armazenamento de dados sobre criminosos, não há cruzamento de informações entre as instituições. Sobre isso, ele afirma: “Com certeza se houvesse essa interação, poderíamos fazer mais apreensões, identificar movimentações financeiras suspeitas. A falta de mecanismos de comunicação dificulta muito o trabalho de investigação”.  

Lima ainda menciona a relação com a população como um fator para que o trabalho seja ainda mais complexo. “Na fronteira, a gente tem a questão que a própria população local muitas vezes não apoia a operação policial, porque eles sabem que a fronteira fecha quando a polícia está atuando e ninguém quer isso. Às vezes é uma população carente, pessoas que se tornam olheiros  das organizações criminosas. Então você está ali para fazer uma função de Estado onde o Estado falha em vários outros aspectos.”

Brasil no centro do crime organizado internacional

Segundo Leandro Piquet, até recentemente, organizações criminosas brasileiras não possuíam grande projeção internacional, mas isso está mudando em função da atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC), sobretudo no mercado internacional de drogas ilícitas. “De 5 anos para cá, o Brasil começa a ser um player no crime organizado internacional, em razão da atuação de grupos criminosos que surgem no guarda chuva do PCC”. 

Piquet cita a mudança na forma como o Governo dos EUA passou a lidar com o PCC a partir de 2021. “Pela primeira vez, o crime organizado brasileiro aparece em dois relatórios do governo americano. Até recentemente, o país não era motivo de preocupação nesse sentido”. Os relatórios em questão são do Departamento de Estado, que reporta ano a ano o cenário do crime organizado internacional, e DER, que traz uma análise de país a país. Neles, o PCC aparece como uma das entidades internacionais com atuação de destaque no mercado internacional de cocaína. A medida resultou na imposição de sanções ao PCC, com o bloqueio de bens de pessoas ligadas à organização. 

Para o professor, o destaque do PCC no mercado internacional de drogas representa um salto para o crime organizado no Brasil. Com o aumento significativo da receita dos envolvidos nesse sistema, ele explica que essas organizações passam a ter maior poder para influenciar nas decisões políticas do País. 

Sobre isso, Victor Lima pontua que, na prática, essa expansão já está em curso. “Trabalhando na fronteira, a gente sabe que o PCC está ligado a pessoas de governos fronteiriços, prefeitos de cidades, a organização já está enraizada. Vejo que a atuação dos órgãos fiscalizadores impede que a organização tome conta de tudo”. Ele conta, todavia, que com o aumento da tecnologia e do poder econômico da facção, esse trabalho está cada vez mais difícil esse trabalho, e a tendência é uma piora na criminalidade. 

Assim como Leandro Piquet, o policial defende que o combate à criminalidade na fronteira e a atuação de organizações como o PCC devem acontecer de forma mais integrada: “O crime organizado não é um crime isolado. O dinheiro da droga que sai da fronteira, vai depois para financiar a campanha de um político, que fica responsável por aprovar leis que beneficiem esse tipo de prática, por exemplo. Então não é um crime que dá para combater só com a polícia.”

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