Pesquisa analisa os impactos da educação não tradicional em diferentes classes sociais

Estudo da Faculdade de Educação da USP mostra que alunos de classes populares têm mais dificuldade de aprendizagem que estudantes de classe média em uma mesma escola

Imagem capa: Freepik

Um movimento de renovação no ensino que foi difundido na Europa no fim do século 19, chamado “Escola Nova”, foi trazido ao Brasil na metade do século 20. O conceito foi inspirado em ideias de Jean-Jacques Rousseau e dos pedagogos Heinrich Pestalozzi e Freidrich Fröebel. O objetivo seria transformar o ensino tradicional e impactar as escolas do ponto de vista econômico, político e social. Hoje, mais de cem anos depois, ainda existem escolas que possuem um método de ensino diferenciado das demais e que se inspiram nos princípios da Escola Nova.

É o que aponta a pesquisa da mestre em educação pela Faculdade de Educação da USP e professora Juliana Andrade. O estudo Entre pontos e nós: os impactos de um projeto não tradicional para jovens de diferentes camadas sociais busca compreender como um método de ensino não tradicional pode impactar alunos de uma mesma escola que possuem classes sociais diferentes.

A metodologia da pesquisa se baseou em entrevistas com seis estudantes de uma escola municipal no bairro do Butantã, em São Paulo. Três dos entrevistados faziam parte de famílias com condições financeiras mais favoráveis e eram de classe média, enquanto os outros três vinham de classes sociais mais populares. A delimitação de classes foi feita através de uma análise da pesquisadora a partir de princípios de Pierre Bordieu, que engloba, além de critérios econômicos, o capital cultural, social e simbólico de cada pessoa.

“A pesquisa surgiu das inquietações que eu tinha enquanto professora nessa escola que, do ponto de vista socioeconômico, possui um cenário bastante heterogêneo”, afirma Juliana. A escola, que a pesquisadora prefere chamar pelo nome fictício de EMEF Alípio Moraes, possui um quadro alunos de diferentes patamares financeiros devido ao modelo de ensino que foi reconhecido pelo Ministério da Educação, em 2015, como exemplo de inovação e criatividade.

A escola tem como pilar a centralidade no aluno, a aprendizagem por interesse e o desenvolvimento da autonomia. O método combina estudantes de diferentes faixas etárias nos mesmos grupos de discussão, rodas de conversa diárias, e incentiva o conhecimento através de projetos de pesquisa. “O principal meio de aquisição de conhecimento nessa escola é a pesquisa feita com a mediação dos professores. As aulas expositivas acontecem apenas para algumas disciplinas e com uma frequência menor”, diz a pesquisadora.

Embora o método de ensino não tradicional seja atrativo a estudantes de diferentes classes sociais, o poder aquisitivo influencia no aproveitamento dos alunos. A análise apontou que alunos de classe média têm um desempenho melhor se comparados aos de classes mais baixas: “Os estudantes de classe média tiveram trajetória escolar sem rupturas ou percalços. Já os jovens mais pobres tiveram trajetórias escolares marcadas por dificuldades e reprovações”, acrescenta Juliana.

Segundo a mestre e professora, os motivos para esse contraste entre os aprendizados estão relacionados à renda dos estudantes. Os alunos de classe média são, na maioria das vezes, de famílias mais escolarizadas e com maior repertório cultural. Fatores como viagens, idas ao teatro e atividades extracurriculares ampliam o vocabulário e os conhecimentos. Isso torna mais natural o contato com assuntos discutidos em aula e o método de ensino baseado na autonomia.

Mesmo com as dificuldades e reprovações vividas pelos alunos de classes populares, os estudantes que participaram da pesquisa afirmam ter uma relação positiva com a escola e com o método utilizado, de acordo com Juliana. O clima escolar não tradicional causou um sentimento de pertencimento ao espaço e fez com que eles aumentassem as expectativas sobre o futuro profissional e educacional.

Um desafio para os professores apontado por Juliana é a quantidade de trabalho. “Um projeto no qual os alunos desenvolvem percursos muito singulares e diferentes dos outros alunos demanda um volume de trabalho muito maior para o professor”, afirma. Para a pesquisadora, deveria haver um número maior que o comum de professores em escolas que aplicam um método de ensino não tradicional.

Juliana ressalta, por fim, que é papel da escola compensar as desigualdades sociais, oferecer educação de qualidade para todos e as mesmas oportunidades dentro do espaço escolar. No entanto, reconhece que é essencial considerar as classes sociais em projetos educativos: “É possível dizer que não se pode discutir projetos educativos sem discutir a classe social dos alunos que são atendidos por ele, sob o risco de, ao se ausentar dessa discussão, reforçar as desigualdades de origem tornando-as desigualdades escolares”, conclui.

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