Modelo simula a progressão do isolamento social e suas consequências

Modelo matemático criado por professor do IFSC aponta que, abaixo de um certo nível de contato social, a sociedade entra em um estado de esgotamento psicológico

Mulher estressada em frente a um computador
Para pesquisador, a diferença entre a qualidade de interações presenciais e mediadas por plataformas virtuais é crucial para entender a dinâmica da solidão no distanciamento social. Foto: Pixabay

“Desde o começo da pandemia, muita gente tem citado o livro A Peste, do Albert Camus, como ilustrativo do que a gente está passando. Eu discordo. Acho que esse livro é Naked Sun, do Isaac Asimov”, comenta José Fernando Fontanari, professor do Instituto de Física de São Carlos, ao explicar a natureza da simulação projetada por ele para analisar a solidão coletiva durante a pandemia.

Naked Sun, publicado no Brasil como Sol Desvelado (edição mais recente: Editora Aleph, 2019) é um romance de ficção científica que se passa em Solaris, um planeta onde o trabalho se tornou obsoleto graças à automação e interações cara a cara, consideradas repugnantes e rejeitadas socialmente. Em Solaris, as pessoas vivem em casas gigantes, sozinhas ou apenas com seus parceiros, e toda a comunicação é feita através de hologramas.

Especular quais seriam os impactos desse tipo de isolamento em uma sociedade foi o que motivou Asimov a escrever essa trama em 1957. No ano passado, quando a pandemia do coronavírus forçou grande parte da humanidade a viver um regime de interações sociais exclusivamente mediadas por telas e janelas, Fontanari resolveu criar um modelo  para investigar os impactos dessa nova realidade imposta pelo coronavírus. . O estudo faz parte de um ramo interdisciplinar, a sociofísica, que usa modelagem matemática para descrever problemas sociais.

A simulação usada no estudo funciona da seguinte forma: é criado um universo de indivíduos hipotéticos e a cada um deles é atribuído um grau de solidão. Quanto maior o grau de solidão, maior a probabilidade do indivíduo buscar um parceiro para interagir. Cada tentativa fracassada de contato aumenta ainda mais o nível de solidão, e cada tentativa bem sucedida o diminui a uma certa taxa, que depende da qualidade da interação.

Este fator serve para incluir na simulação a diferença do efeito psicológico positivo de uma conversa cara a cara e de uma ligação de vídeo, por exemplo. Em O Sol Desvelado, os Solarianos têm até palavras diferentes para as duas experiências: ver alguém por um holograma é descrito pelo verbo view, e ver alguém pessoalmente pelo verbo see.

A qualidade das interações e a probabilidade de uma tentativa de contato ser bem sucedida são parâmetros ajustáveis no modelo. O que o professor do IFSC descobriu foi que, abaixo de uma certa quantidade de contatos e/ou de uma certa taxa de qualidade de interações, a solidão para de aumentar gradativamente e salta para um valor infinito.

De acordo com Fontanari, esse momento de “sensação de solidão infinita” corresponde a um ponto de crise psicológica ou “síndrome de burnout” e é alcançado bem antes da pessoa estar completamente excluída do contato humano. Se o número de interações é limitado o suficiente e elas são de má qualidade (em um contexto como o da pandemia, por exemplo), um indivíduo pode chegar à solidão completa, mesmo que tecnicamente ainda interaja regularmente com algumas pessoas.

“Você pode ter um número razoável de pessoas interagindo com um número razoável de outras pessoas e, entretanto, a sociedade estar inteira nesse estado de esgotamento psicológico”, descreve o professor. Os resultados da pesquisa foram publicados pelo periódico científico Physics A no artigo “A stochastic model for the influence of social distancing on loneliness”, disponível neste link.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*