Queda nos rendimentos e alta nas demissões agravam crise na cultura durante a pandemia

Área já estava fragilizada pela falta de investimentos e precariedade, mostra pesquisa

Obra do artista visual brasileiro Eduardo Kobra, criada durante a pandemia. Fonte: Reprodução/ Instagram

A pandemia do novo coronavírus acentuou e agravou a crise do setor cultural brasileiro, revelando a fragilidade da área no país. É o que mostra a pesquisa “Percepção dos impactos da Covid-19”, realizada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em parceria com a FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). O levantamento revela que aproximadamente metade dos agentes culturais do país teve a renda zerada e parou de contratar serviços de terceiros entre março e julho de 2020, durante o início do isolamento social. Cerca de duas em cada cinco empresas ouvidas também demitiram todos os funcionários durante o período.

Os resultados do levantamento foram analisados no seminário virtual “Debates sobre Cultura e Impactos da Covid-19”, organizado pelo Núcleo de Sociologia da Cultura da Faculdade em parceria com a Unesco e o Sesc (Serviço Social do Comércio), entre 16 e 18 de dezembro de 2020.

Para a socióloga e pesquisadora Maria Arminda do Nascimento Arruda, docente da Faculdade e diretora da mesma até setembro do ano passado, a pesquisa mostra que a pandemia evidenciou problemas antigos do setor, como a falta de políticas públicas e investimento, informalidade dominante, predomínio de baixos rendimentos e a feminização da área, que foram potencializados durante o período.

— Todos estes pontos costumam ser componentes da precarização do trabalho cultural. O que as pesquisas revelam é que os problemas que se agudizaram com a pandemia já estavam, de certa maneira, anunciados. A crise na cultura é endêmica e se manifesta, na maior parte das vezes, na crise de financiamento público e numa incompreensão difundida em órgãos da administração federal sobre a importância das iniciativas do setor na construção de parâmetros civilizatórios. A cultura é permanentemente golpeada — afirmou Arruda no evento de encerramento do seminário, em 18 de dezembro.

A pesquisa obteve 2.667 respostas de agentes culturais entre junho e setembro de 2020, entre pessoas físicas (69,4%), como autônomos, servidores públicos e contratados com carteira assinada; e coletivos (30,6%), categoria que engloba os MEIs (microempreendedores individuais que faturam até cerca de R$80 mil ao ano) e pessoas jurídicas como empresas, associações e fundações privadas, além de cooperativas e agrupamentos informais.

A pandemia zerou a receita de 41% dos respondentes entre março e abril de 2020. Entre maio e julho, o prejuízo total atingiu quase metade do setor: 48,8% dos respondentes declararam redução de 100% dos rendimentos.

A cadeia produtiva do setor também foi duramente afetada, uma vez que entre março e abril e entre maio e julho as contratações de terceiros foram totalmente interrompidas por 43,1% e 49,1% dos entrevistados, respectivamente. Aqueles que puderam contratar focaram nos serviços digitais para a sobrevivência do negócio durante o isolamento social, como investimentos em publicidade na internet (19%) e ferramentas online para trabalho remoto (12,6%).

O desemprego também afetou duramente a área cultural: de março a abril, 44% das empresas ouvidas demitiram todos seus empregados. Entre maio e julho, a porcentagem caiu para 42,6%. O questionário foi finalizado em setembro, mas o mercado cultural seguia pessimista: 32,1% dos ouvidos projetavam ter que cortar todos os funcionários entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.

Para tentar reduzir danos e sobreviver ao cenário caótico, os agentes culturais coletivos e individuais apostaram na redução de carga horária e salários, programas de demissão voluntária, adesão ao programa de suspensão de contrato trabalhista do governo federal e o auxílio emergencial, além de doações e renegociação de dívidas. Mas as iniciativas não permitiram que a maioria dos artistas e produtores culturais conseguisse aliar à subsistência ao financiamento de suas atividades: cerca de 62,7% dos recursos recebidos na crise foram destinados ao sustento próprio e despesas domésticas, e 15,7% dos entrevistados afirmaram que não receberam nenhum apoio financeiro no período.

Para a socióloga e professora Maria Eduarda da Mota Rocha (UFPE) a precariedade e crise na área da cultura acentuadas pela pandemia expõem a necessidade de maior suporte aos agentes culturais do país e organização coletiva dos profissionais.

“A profundidade da crítica social despertada pela experiência da crise não será um reflexo imediato da história, mas dependerá, mais uma vez, da capacidade coletiva de converter o sofrimento em impulso de transformação, e para isso a cultura é o vetor mais importante. Mas sem seus produtores e produtoras, ela simplesmente não pode existir”, alertou Rocha no evento de encerramento.

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