Entre o astrônomo e o detetive: a investigação do caso Fomalhaut-b

Imagem de 2008 da estrela Fomalhaut, que também identificou um pequeno ponto luminoso que se movia. Na época, parecia ser um planeta, mas se dissipou, desaparecendo nos anos subsequentes. Fonte: Telescópio Hubble, NASA.

Em 2014, o planeta Dagon, também chamado de Fomalhaut-b, desapareceu das observações do telescópio Hubble. Ele havia sido o primeiro exoplaneta a ser descoberto diretamente por imagens, em 2008. As razões desse desaparecimento permaneceram desconhecidas até abril de 2020, quando um grupo da Universidade do Arizona (EUA) publicou um estudo afirmando que o objeto nunca havia sido um planeta, mas sim uma nuvem de poeira que se dissipou.

Mas afinal, como astrônomos procuram por planetas? Isso depende da onde eles estão. Se são planetas mais próximos, no sistema solar, é possível observá-los diretamente da Terra,  com telescópios ou até mesmo lunetas — é apenas uma questão de saber para onde apontar os instrumentos. Atualmente, conhecemos todos os 8 planetas do sistema solar, além de vários outros planetóides.

Porém, quando se procura exoplanetas, aqueles fora do sistema solar, a dificuldade aumenta substancialmente. Os planetas, ao contrário das estrelas, são muito pequenos e não possuem luz própria, o que torna muito mais difícil enxergá-los de dezenas de anos-luz de distância. São necessários métodos mais avançados.

Buscando as evidências

A professora e astrônoma Jane Hetem, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, explica algumas dessas técnicas mais avançadas, incluindo a que primeiro levou à descoberta de Fomalhaut-b. Para entender essas técnicas, é preciso antes entender um pouco da formação dos astros. 

Segundo a pesquisadora, tanto as estrelas como os planetas são formados a partir da mesma nuvem de poeira que, por contrações gravitacionais e inércia, vão se aglutinando nos corpos celestes. A maior parte do material compõe a estrela, enquanto o resto dessa poeira pode formar um disco protoplanetário ao seu redor. Este disco posteriormente pode aglutinar-se e formar planetas, se as condições favorecerem. “A estrutura de disco em torno da estrela é composta basicamente de poeira e a poeira possui uma emissão bem particular no infravermelho”, afirma ela.

Portanto, ao procurar exoplanetas, os astrônomos não buscam qualquer estrela, mas uma com uma forte emissão infravermelha, o que indicaria a presença do disco. “Satélites que operam no infravermelho fazem uma varredura no céu, compondo um catálogo de quais estrelas apresentam um excesso na emissão infravermelha”, afirma Jane. Após obter esse catálogo, o próximo passo é verificar se há ou não um planeta orbitando a estrela.

A luz visível é uma de muitos tipos de radiação. Diferentes cores e tipos de radiação dependem da frequência da onda. Fonte: Infoescola.

Usar um telescópio para observar o planeta, técnica chamada de imageamento direto, pode parecer o procedimento mais óbvio, mas Jane explica que não é tão simples. Seu tamanho pequeno faz com que seja difícil vê-los com definição, sendo que são ofuscados pelo brilho de sua estrela. “É preciso usar um processo de coronografia, que seria simular um eclipse na estrela. Isso iria cobrir todo o seu brilho e detectar os pequenos corpos refletindo luz”.

Porém, Jane afirma que descobertas pelo imageamento direto são raras: “A técnica é voltada para quem já desconfiou que havia um planeta lá por outras formas”. 

Uma das formas mais utilizadas é o procedimento de ocultação. Ele consiste em medir a diminuição do brilho de uma estrela quando um planeta passa na sua frente, obstruindo-a: “Ao monitorar uma estrela e ir acompanhando o que chamamos de curva de luz, é possível ver que o brilho diminui se um planeta está na sua frente e volta a aumentar quando ficou atrás dela, continuamente.” 

Com isso, é possível até mesmo calcular o tamanho do planeta e sua órbita. Porém, somente planetas grandes e perto de sua estrela passam na sua frente frequentemente o suficiente para detecção por este método. A observação também deve ser feita de frente para estrela, o que nem sempre é o possível.

Outra maneira é detecção através de instrumentos de espectroscopia. Eles dividem a luz em suas cores correspondentes, como um prisma, e a emissão luminosa de uma estrela é estudada. Quando há presença de um planeta grande e próximo, este causa uma perturbação gravitacional na estrela, fazendo-a orbitar ao redor de um centro de massa comum. Essa leve movimentação a afasta e aproxima do observador, gerando efeito Doppler na luz que chega na Terra. 

Assim como o som de uma sirene, a luz recebida aumenta e diminui de frequência conforme a aproximação e afastamento do objeto, respectivamente. Para a luz, isso se traduz na mudança de cor da emissão detectada. “No momento de aproximação da estrela, todas as linhas espectrais vão estar se deslocando para o azul e, no momento em que a estrela estiver se afastando do observador, elas estarão deslocadas para o vermelho”, afirma Jane. 

Isso ocorre, pois a luz azul é de alta frequência e a vermelha, de baixa. Quando essas mudanças são recorrentes, é possível assumir que há algum objeto causando a perturbação gravitacional na estrela. Com sorte, esse objeto é um exoplaneta.

Imagem ilustrando o efeito Doppler em sons — a frequência da onda aumenta se a fonte se aproxima do observador e diminui caso se afaste.  Fonte: Infoescola.

As teorias para o caso

O caso de Fomalhaut-b teria sido o mais raro. O suposto planeta foi identificado por imageamento direto, em uma fotografia da estrela Fomalhaut, desaparecendo em observações posteriores. Mas, para Jane Hetem, o procedimento não foi exatamente um erro: “Uma interpretação dos dados levou a crer que havia uma forte chance de ter um planeta ali, mas a confirmação só pode vir depois de vários estudos e modelos. Eu acho muito interessante continuar precisando descobrir”.

Do Brasil para o Universo

O Brasil não fica para trás no campo de detecção de exoplanetas. Uma equipe de brasileiros da qual Jane Hetem participou, desenvolveu, em 1992 — antes da confirmação de qualquer exoplaneta — um extenso trabalho de detecção de estrelas semelhantes ao sol, muitas das quais poderia ter planetas. “Esse levantamento ficou conhecido como Pico dos Dias Survey e foi aberto para a comunidade científica em geral. Depois, conforme vieram as novas tecnologias de imageamento, [outros grupos] apontaram telescópios para essas estrelas que já tinham indícios de um disco. Acabaram descobrindo, no caso da chamada PDS 70, a presença de um planetinha”. Em 2019, foi descoberto, também por imageamento direto, um segundo exoplaneta no sistema, e suspeita-se até da formação de uma lua.

Imagem da estrela PDS 70 (atrás do ponto escuro da coronografia, no centro), catalogada no Pico dos Dias Survey, em 1992. Pode-se ver seu disco protoplanetário e o planeta PDS 70-b, à sua direta. Fonte: European Southern Observatory com Very Large Telescope.

A contribuição da descoberta de até mesmo um exoplaneta já é muito significativa. Mesmo que distante e inacessível, Jane afirma que seu estudo nos ajuda e entender melhor o funcionamento do universo. “Nós temos várias teorias — de formação planetária, evolução do disco protoplanetário e formação estelar — e a forma de confirmá-las é a partir da detecção do maior número possível de casos, e dos mais diferentes possíveis”. Segundo ela, sem esses estudos, não saberíamos nem de como se deu nossa origem, e nem para onde iríamos no futuro distante.

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