Camada de ozônio: boas e más notícias de 2020

Danos na camada de ozônio no polo sul e polo norte de 2019 e 2020, respectivamente. Ambos no fim do inverno, o primeiro impressiona pela redução, o segundo, pelo aumento. Fonte: Ozone Watch, Nasa.

O ano de 2020 foi marcado pela publicação de duas importantes notícias sobre a camada de ozônio. A primeira tem relação com o buraco sobre a Antártica, que quase não aconteceu em 2019, de acordo com um artigo publicado na revista Nature em março. Porém, dados recentes revelam um outro buraco, desta vez no lado oposto do planeta, o Ártico — algo que não ocorria desde 2011.

Os danos na camada de ozônio começaram a partir dos anos 1970, com a liberação dos clorofluorcarbonetos (CFCs) na atmosfera. Esses gases liberam átomos de cloro (Cl) ao entrarem em contato com a radiação ultravioleta (UV) do sol. Estes, por sua vez, catalisam a reação de conversão do ozônio (O3) em oxigênio molecular (O2). Sendo um catalizador e não um reagente, o cloro não é consumido, podendo destruir milhares de O3, em ciclo, antes de escapar da atmosfera. “A diminuição do ozônio é proporcional à quantidade de espécies que destroem ozônio”, afirma a professora de química da atmosfera Adalgiza Fornaro.

Apesar da camada sofrer danos por todo o planeta, somente nos polos a quantidade de ozônio cai para abaixo de 220 DU (Unidades Dobson, unidade de medida que descreve a concentração de ozônio em uma área), sendo considerado um buraco.

A principal razão para isso é o inverno rigoroso dessas regiões, que promove a formação das nuvens estratosféricas polares. “Para começar a formá-las, é preciso de uma temperatura de -59ºC”, afirma Adalgiza.  O frio extremo possibilita a incorporação de gases, líquidos e sólidos nessas nuvens, promovendo várias reações químicas que não ocorreriam em outras condições. “Há uma série de rearranjos das moléculas que são incorporadas, e elas acabam formando gás cloro, Cl2.” Esse gás permanece preso nas nuvens até o fim do inverno. No começo da primavera, “começa o aquecimento causado por mais luz solar, e essas nuvens começam a dissolver. E a primeira substância liberada é esse gás cloro”.

O cloro promove uma reação química como a dos CFCs, destruindo muito do ozônio nessas regiões. Como o resto do planeta não possui temperaturas baixas o suficiente para formação das nuvens estratosféricas polares, somente o Ártico e a Antártica passam por essa destruição. Ela ocorre apenas na transição do inverno para primavera, quando essas nuvens são dissolvidas pelo aumento de temperatura.

Dessa forma, o buraco só está presente em alguns meses do ano nessas regiões. Isso pois o ozônio se regenera nos períodos e locais de alta incidência de sol. Sua radiação UV quebra moléculas de O2, liberando átomos que podem ser ligar com outros O2 e formar ozônio (O3). Sem a interferência dos CFCs, os processos naturais de destruição e formação se balanceiam, evitando o buraco durante o ano inteiro.

Este foi quase o caso de 2019, segundo artigo da revista Nature, publicado em março de 2020. A recuperação da camada ajudou também a regenerar alguns padrões climáticos antes perturbados no hemisfério sul. Segundo a professora Adalgiza, isso se deve ao Protocolo de Montreal, assinado por quase 200 países em 1987. Ele promoveu uma redução gradativa no uso desses gases nos anos subsequentes. Durante as décadas seguintes, seu resultado foi claro, mas nunca esteve tão evidente como nos dados na Antártica do ano passado. Observe na imagem:

Imagens do polo sul em diferentes estágios do controle dos CFCs. Todas de 16 de setembro de seus respectivos anos, o pior momento do buraco. Nota-se em 2019 a mancha azul menor e as regiões vermelhas e amarelas ao seu redor. Fonte: Ozone Watch, Nasa.

Apesar do resultado positivo, a professora Adalgiza faz uma ressalva: “O ano de 2019 foi muito quente. Isso pode ser devido às mudanças climáticas”. E assim, “as nuvens estratosféricas polares não se estabelecem; o limiar é -59ºC. Mas elas são mais efetivas abaixo de -82ºC.” Sem o frio necessário para gerar essas nuvens, o gás cloro não é liberado, diminuindo a destruição natural do ozônio. Dessa forma, os resultados não são necessariamente positivos, mas um indicativo dos impactos do aquecimento global.

Ao mesmo tempo, há outra notícia preocupante: “Pela segunda vez ocorreu buraco no hemisfério norte: em 2011 e neste ano. O desse ano foi bastante grande em área e perdurou no tempo”. Segundo a professora, por seu uma região menos fria, a camada sobre o Ártico deveria ter média acima de 300 DU — sem qualquer buraco.

Imagens do polo norte nos dois anos de buraco e em 2019, para comparação. Nota-se que todas são de 15 de março de seus respectivos anos — quase primavera para o hemisfério norte e pior momento para o ozônio. Fonte: Ozone Watch, Nasa.

“O buraco é assustador no sentido que o polo norte é mais populoso”, afirma Adalgiza. Sem sua proteção, ficamos mais vulneráveis a cânceres e doenças oculares causadas pela radiação UV antes bloqueada. 

Segundo ela, as causas do fenômeno ainda estão sendo estudadas: “Sobre o buraco de 2011 já há artigos publicados — ele foi associado com o grande resfriamento da região. Registrou-se o maior frio na estratosfera desde que se tem dados, enquanto que no hemisfério sul aconteceu o contrário”. De uma forma ou outra, o sucesso do Protocolo de Montreal e nossas falhas para conter as mudanças climáticas, deixam claro o impacto que a ação humana tem sobre o planeta.

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