O entendimento de que os processos culturais modificam a dinâmica evolutiva das espécies cresce dentro da academia. A fundação da Cultural Evolution Society, em setembro, foi resultado da necessidade de ampliação dos debates sobre o papel da cultura na biologia evolutiva. Eduardo Benedicto Ottoni, graduado em ciências biológicas e professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia (IP) da USP, busca contribuir para o aprofundamento deste debate com seu projeto Abordagens Evolucionistas da Cultura.
“Estamos incluindo em cultura todo processo de informação em sentido amplo – comportamentos, conhecimentos, entre outros – que é transmitido por qualquer via que não seja a genética”, esclarece Ottoni. Em termo de informação, os organismos transmitem basicamente duas linhas: uma molecular e outra transmitida de comportamento, a cultura. O professor explica que, no entanto, para ser considerada cultura essa informação deve ser transmitida por Aprendizagem Socialmente Mediada (ASM). Isto é, um indivíduo maduro transmite a informação para outro imaturo da mesma espécie.
Ottoni explica que as linhas de transmissão de informação seguem em paralelo e se autoinfluenciando, em um processo denominado co-evolução genes-cultura. Como exemplo, o pesquisador conta que o ser humano é o único mamífero que continua consumindo leite na vida adulta. Uma hipótese para que isso seja possível, visto que há um gene que desativa a digestão de lactose, é uma seleção gene-cultural. A partir do momento em que homem iniciou a atividade pecuária, o leite passou a ser um subproduto interessante para o consumo da espécie. Com isso, indivíduos sem o gene da lactase humana começaram a ser selecionados.
Animais não-humanos
Outro aspecto fundamental para Ottoni, assim como para a Cultural Evolution Society, é a compreensão da cultura não apenas em humanos, mas, sim, em qualquer organismo que realiza a transmissão da informação via ASM. O pesquisador comenta que durante muito tempo o debate sobre cultura ficou restrito às humanidades, enquanto as ciências biológicas enxergavam os fenômenos culturais a “um papel meramente proximal, o chamado fenótipo estendido”.
No entanto, ficou demonstrado em inúmeras espécies que os processos culturais modificam o ambiente, alterando, com isso, as pressões seletivas, em uma dinâmica denominada de “construção de nichos”. “Quando saímos do estado de dizer que cultura é coisa de humanos, a discussão deu um salto de sofisticação”, destaca Ottoni. E acrescenta: “Claro que a cultura humana não é igual a do chimpanzé, ou de qualquer outra espécie”.
Projeto Ano Sabático
A pesquisa de Ottoni está sendo desenvolvida no Instituto de Estudo Avançado (IEA) da USP, no âmbito do Projeto Ano Sabático. O principal produto do projeto será a elaboração de um livro-texto que “possa cumprir o papel de apresentar a área a estudantes de graduação, mas que seja aprofundado e referenciado de modo a fornecer um roteiro de leitura qualificado para estudantes em nível de pós-graduação”.
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