Como a mobilidade dos trabalhadores influencia a inovação regional

Estudo avalia a relação entre a transferência de trabalhadores qualificados para determinadas regiões e a produção de conhecimento e novas patentes

Foto: Divulgação

Um estudo realizado na Escola Politécnica da USP buscou avaliar como a mobilidade de trabalhadores influencia a inovação no Brasil no nível regional. O trabalho correlaciona fatores de mobilidade e inovação para avaliar não apenas de que forma a transferência de trabalhadores impacta a produção de conhecimento, mas também em quais regiões isso é mais frequente. A pesquisa já foi apresentada em um congresso na Espanha e pode ser usada como base para políticas públicas na área de Geografia da Inovação.

“É uma área que busca entender questões relacionadas à localização das empresas, à criação de conhecimento e ao desenvolvimento tecnológico”, explica Ariana Ribeiro Costa, economista pesquisadora da Poli e autora do estudo. Sob esse ponto de vista, a Geografia da Inovação analisa o território e as relações geradas dentro dele (como a criação de redes informais e contatos face a face de profissionais). “Ao estudar a área, observei um aumento do interesse nessa temática e poucos trabalhos realizados no Brasil”, afirma Ariana.

Do ponto de vista da mobilidade, o estudo analisou a movimentação dos trabalhadores formais entre as microrregiões brasileiras em todo o país entre os anos de 2003 e 2008. A base de dados utilizada foi a Relação Anual de Informações Sociais Identificada (RAIS ID), que permite acompanhar todos os trabalhadores registrados formalmente em qualquer atividade econômica no Brasil. Os dados da base RAIS ID são coletados pelo Ministério do Trabalho, que permitiu acesso à pesquisadora mediante a assinatura de um termo de responsabilidade.

Já do ponto de vista da inovação foram utilizados dados de patentes e inventores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da base do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), chamada de BADEPI. A partir de registros administrativos sobre propriedade intelectual, a base reúne informações bibliográficas sobre patentes de inovação e modelos de utilidade, depositadas no INPI entre os anos de 2000 e 2011. Para o recorte do estudo, a pesquisadora uso os dados do triênio 2009-2011 (com mais de 20 mil inventores), sendo esse período o mais atual disponível para análise.

“Troca” de trabalhadores entre regiões

A primeira etapa foi a construção de medidas de mobilidade para os trabalhadores, considerando aqueles com Ensino Superior, em ocupações técnicas e científicas e o volume total. Adicionalmente, outros três recortes de trabalhadores foram criados, relacionados às suas atividades econômicas (Agricultura e Pecuária, Indústria de Extração e Indústria de Transformação), identificando os profissionais que mudaram sua localização ao transferir seus locais de registros de trabalho entre os anos analisados.

“A partir dessa diferença, consegui obter informações não apenas dos trabalhadores que chegaram ou saíram de uma região, mas também quais eram os pares de microrregiões que ‘trocavam’ esses trabalhadores”, explica Ariana. Embora esse não tenha sido o principal objetivo do estudo, o mapeamento acabou identificando padrões da própria movimentação dos profissionais, com uma concentração maior de transferência de trabalhadores qualificados no Estado de São Paulo, nas capitais e nas microrregiões médias do Sul.

Devido a grande quantidade de dados reunidos foi preciso desenvolver uma solução computacional específica para fazer o mapeamento, criando um banco de dados relacional na linguagem SQL (Structured Query Language) com a ajuda de um cientista da computação. A partir daí foram realizadas estimativas econométricas baseadas na função “produção do conhecimento” dos dados de patentes e inventores, onde observou-se que a entrada de trabalhadores qualificados nas regiões identificadas é sim benéfica para a inovação, e em todas as atividades econômicas.

Cerca de 30 microrregiões do Brasil concentram 74% da contagem de patentes em termos absolutos, sendo que São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre encabeçam a lista. Mas há também microrregiões no interior dos Estados, como as de Campinas e São José dos Campos (SP), Joinville (SC) e Caixas do Sul (RS) que também se destacam. “Verificamos que essa análise no nível regional já nos trouxe uma grande contribuição para o debate sobre a importância da movimentação dos trabalhadores”, avalia Ariana.

Entre outros resultados, o estudo observou também a maior movimentação dos trabalhadores qualificados em comparação com a dos trabalhadores gerais e a importância da relação entre universidade e iniciativa privada nesses locais. O trabalho pode ser servir de base para possíveis políticas públicas voltadas à qualificação de profissionais por meio de cursos técnicos e científicos, além da criação de canais de comunicação e de ferramentas de socialização, como forma de estimular a permanência e a interação dos trabalhadores nas regiões.

Aprimoramento e continuidade

O artigo relacionado à tese já foi apresentado no IV Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação da Unicamp, em julho, e será apresentado em dezembro no 47º Encontro Nacional de Economia em São Paulo. O artigo também foi aprovado para o congresso internacional Geography of Innovation Conference (GEOINNO), que acontece em janeiro na Noruega, embora uma primeira versão já tenha sido apresentada por Ariana nesse mesmo congresso em 2017, em Barcelona, porém com dados muito preliminares.

“A ida nesse congresso foi muito importante, pois me ajudou a estruturar melhor a tese através das apresentações dos trabalhos que assisti”, relembra a pesquisadora. Atualmente Ariana faz pós-doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) continuando suas pesquisas em Geografia da Inovação, que incluem o aperfeiçoamento do modelo econométrico, a atualização dos dados e a buscas de novos gaps na literatura ou recortes geográficos. “Na verdade, existem muitas possibilidades de estudos e muito trabalho ainda a ser feito”.

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