Violência doméstica custa caro para a economia

Alto indíce de violência contra a mulher afeta o mercado de trabalho brasileiro

Maria da Penha durante seu discurso na FEA - foto por Gabrielle Torquato

Dentre todas as desigualdades entre gêneros, os piores índices estão relacionados a violência doméstica. Nem mesmo a diferença salarial atingiu tamanha desproporção. Este fenômeno é um profundo problema dos direitos humanos, mas nos últimos anos tem se mostrado alcançar também outros setores, como por exemplo, a economia. 

O Instituto Maria da Penha se uniu a Universidade Federal do Ceará (UFC), desde 2016, com intuito de estudar profundamente a violência contra a mulher e sua influência na economia do País. Neste ano, já em sua terceira edição, o coordenador do projeto José Raimundo Carvalho, professor titular na UFC, esteve na FEA em conjunto a Maria da Penha a fim de compartilhar seus resultados e a apresentar a Pesquisa de Condições socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Pcscdf). 

Segundo a pesquisa, diversas estimativas apontam que o Brasil perde 1.2% do PIB em consequência da violência contra mulher. “Estimamos que por ano o País deixa de faturar um bilhão de reais com absenteísmo no mercado de trabalho motivado por violência doméstica. Para aqueles que ainda não sabem, bater em mulher custa muito caro para a economia”. 

Metodologia 

Para o início do projeto, o pesquisador reuniu um time multidisciplinar, composto por economistas, antropólogos, sociólogos, pessoas da saúde pública e estatísticos. Durante três anos, a equipe em conjunto com o Instituto Maria da Penha desenvolveu um questionário para ser aplicado a mulheres entre 15 e 49 anos. “Não somos apenas coletadores de dados, mas também um grupo de pesquisadores que trabalham na criação de metodologia”, explica o professor. 

Para a aplicação do questionário, o grupo se preocupou em selecionar apenas mulheres. As escolhidas receberam um treinamento de 40 horas sobre a maneira correta de se portar e coletar as informações. O objetivo era trazer a maior veracidade possível dos dados. 

Em um primeiro momento, o questionário foi respondido por dez mil mulheres na região do nordeste. A escolha da localização foi tanto estratégica quanto uma limitação orçamentária. José espera que para as próximas edições a equipe alcance todo os 26 estados e Distrito Federal. “O nosso sonho é que ele vire nacional e se torne a melhor pesquisa na América latina sobre o tema.” 

Apesar do orgulho de estarem gerando uma base de dados sem precedentes, a equipe almeja que os resultados proporcionem uma mudança efetiva na realidade das mulheres”. É claro que estamos pensando em como isso pode ajudar o meio científico, nos realizamos como pesquisadores, publicamos, vamos a congressos internacionais, mas sabemos que em primeiro lugar tudo que estamos fazendo é para virar intervenção, mudança social. Seja através de novas leis ou políticas públicas.” 

Resultados

A captação de dados ainda está sendo feita, todavia, a pesquisa já conseguiu realizar algumas afirmações. Muitas delas já eram esperadas, mas nunca antes documentadas de forma científica. “Não estamos de maneira nenhuma inventando a roda, mas fazendo algo muito corajoso e que necessita experiência. As pessoas faziam suposições, mas nós estamos comprovando”, fala José.

Para a surpresa dos pesquisadores, Natal, no Rio Grande do Norte, se mostrou ser a cidade com os maiores índices de violência doméstica do nordeste. Mais de 44% entre todas as mulheres entre 15 a 49 anos sofreram ou irão sofrer algum tipo de violência doméstica ao longo da vida. 

Em contraste a essa realidade, São Luís, no Maranhão, uma das cidades mais pobres do nordeste apresentou a menor prevalência de violência contra a mulher. “Nós somos acostumados a linkar pobreza à violência, mas esta aí uma luz amarela para nos instigar”. 

Os dados também mostraram que 7% das mulheres nordestinas sofrem agressão durante os três trimestres da gravidez. Essa afirmação acarretou uma nova linha de pesquisa que visa investigar os impactos da violência nos bebês, uma vez que eles passam pelo estresse intra-uterino. 

Esse tipo de trauma pode afetar gravemente a vida de uma criança, como, por exemplo, o desenvolvimento de déficit cognitivo. “Já foi comprovado que o estresse intra-uterino pode mudar a reprogramação do cérebro. A criança tem mais chances de ser um estudante abaixo da média, um trabalhador com baixa produtividade e vai no mínimo repetir o ciclo da pobreza. “ 

Maria da Penha 

Em seu discurso, Maria da Penha relembrou a agressão que a deixou paraplégica e reforçou seu papel de ativista na luta contra a violência e igualdade de gênero. 

Confira alguns trechos de sua fala: 

Lutei por 19 anos e 6 meses para ver meu agressor punido, mas para mim o mais importante é que a vitória não foi somente minha, mas de todas as mulheres do meu país, pois essa luta deu origem a lei que foi batizada pelo meu nome. 

Gosto de ressaltar que o objetivo dessa lei não é a de punir os homens, mas de proteger as mulheres e punir o agressor. E para meu grande orgulho e honra a Lei Maria da Penha é considerada pela ONU uma das três leis mais avançadas sobre violência doméstica da mulher. 

Já se passaram 36 anos do crime cometido contra mim, 13 anos da criação da lei que leva meu nome, quatro anos da criação da lei do feminicídio e um ano referente a criação da lei que torna crime o descumprimento das medidas protetivas prevista na Lei Maria da Penha. 

Gostaria de dizer que os dados apresentados aqui não significam nenhum passo de recuo para mim, para o meu Instituto ou para os movimentos de mulheres que trabalham nas trincheiras na luta por uma vida sem violência e igualdade de gênero. Ao contrário, continuamos mais fortes e vigilantes. Não aceitaremos nenhum direito a menos, pois minhas esperanças estão depositadas em todos e todas que me escutam pelo Brasil a fora. 

Ainda estamos no começo, precisamos apoiar essa pesquisa para que se torne nacional, se interiorizar e trazer dados e embasamento para consolidarmos e aprimorarmos as políticas públicas necessárias para concedermos uma vida digna para as nossas mulheres e nossas descendentes.

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