Novas leis não são o suficiente para que políticas públicas florestais funcionem

Atores sociais envolvidos na implementação das normas podem alterar resultados práticos conforme seus interesses.

As florestas têm importância econômica muito maior do que apenas a exploração madeireira (Imagem: IstoÉ Dinheiro/ Reprodução)

Os projetos florestais de um governo surgem a partir do diálogo entre os atores sociais, que constroem acordos e ideias posteriormente transformados em projetos de lei. Estes atores, no entanto, podem continuar exercendo influência nas etapas posteriores a legislação. É isto que defende Liviam Cordeiro, doutoranda pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEE), ela estuda a governança e gestão sustentável das florestas nativas, dando ênfase à Lei de Gestão de Florestas Públicas, instituída em 2006.

De acordo com a pesquisadora, devemos utilizar uma análise qualitativa – baseada em ações e seus efeitos práticos para definir estes atores sociais. Eles não são apenas aqueles que elaboram e implementam as políticas florestais, mas também todos os praticantes florestais, ou seja, qualquer um que esteja relacionado às atividades que ocorrem na floresta em nível local. Organizações governamentais (como o Ministério do Meio Ambiente), organizações não-governamentais (ONGs), agentes do setor privado e do setor acadêmico, comunidades locais da floresta, todos são exemplos de atores sociais. “Nós temos um ambiente de multiatores, com diversos interesses, tentando institucionalizar o uso das florestas. Nem todos terão como base o manejo sustentável”. 

Um novo projeto de legislação florestal requer, no primeiro momento, uma organização institucional: é preciso definir cargos e funções para conseguir colocar a lei em prática. “É como se estivessem arrumando a casa”, ilustra a pesquisadora. Porém, apenas organizar as instituições não traz resultados práticos. Para que o manejo sustentável de nossas florestas ocorra de fato, outros fatores são necessários, como uma nova visão de múltiplo uso da economia florestal, aliada a políticas de controle e fiscalização. É preciso que a visão econômica sobre as florestas pare de se resumir à exploração de madeira. Elas têm o potencial de gerar água, oxigênio, sementes, sequestro de gás carbônico, além de serem essenciais para a renda dos povos nativos.

A única maneira do manejo comunitário e sustentável acontecer, no entanto, é com políticas que incluam os habitantes locais. “A floresta não está vazia. Ela possui diversos habitantes muito diferentes entre si, especialmente em terras públicas”, reitera. As populações nativas indígenas, ribeirinhas, quilombolas conhecem e influenciam a área florestal, além de precisar de apoio e acompanhamento do Estado. Liviam resume a boa governança florestal em três pilares: uma sólida estrutura institucional; fundamentos de manejo sustentável aplicados na prática; e comprometimento com o público-alvo das políticas em florestas públicas, as comunidades locais.  

Comunidade ribeirinha amazônica localizada no município de Portel, Pará (Imagem: Centro de Empreendedorismo da Amazônia/ Raphael Medeiros)

Sem que os dois últimos pilares sejam construídos, não há projeto de lei completamente eficiente. Usando como exemplo a Lei de Gestão de Florestas Públicas de 2006, os resultados práticos não foram atingidos pois a atenção dos atores sociais se virou para outro aspecto: a reforma do Código Florestal, que define e regula as atividades em propriedades florestais privadas. “A revisão do Código foi essencial já que a perda de recursos naturais por desmatamento acontece principalmente nas propriedades privadas   isso, porém, fez com que as propriedades públicas na floresta fossem esquecidas”. Ao deixar a gestão de áreas públicas em segundo plano, as populações locais nativas também foram preteridas.

Essa adequação ao surgimento de novas agendas recebe o nome de “bricolagem institucional”. A bricolagem é um reflexo da capacidade de adaptação dos praticantes florestais, que não interpretam novas regras e instituições de forma passiva. Eles reformulam e integram as novas políticas institucionais ao seu contexto socioflorestal já existente. Por isso é tão importante o envolvimento de praticantes florestais na elaboração institucional, para que a necessidade de readequação das políticas públicas à realidade se torne menor.

A ameaça representada pelo governo atual 

Liviam também demonstra preocupação com os rumos atuais da política em relação ao meio ambiente. “O Governo Jair Bolsonaro demonstra todos os sinais de que vai seguir no sentido contrário à boa governança florestal”. Em pouco tempo, os três pilares já parecem ter sido atacados mais de uma vez. 

Presidente Jair Bolsonaro acompanhado de seu Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Imagem: Marcos Corrêa)

A desorganização institucional é promovida pelo desmonte do Ministério do Meio Ambiente que por pouco não deixou de existir por completo – e pela ocupação dos cargos deste por pessoas que abertamente levantam bandeiras contrárias ao ambientalismo. O descompromisso com os critérios de manejo sustentável, reforçado pela narrativa de que a proteção ao meio ambiente é uma pauta de extremistas e pelo desincentivo à fiscalização e punição por crimes ambientais. O descaso declarado com as populações nativas de área florestal envolve desde polêmicas declarações sobre indígenas e quilombolas até críticas à demarcação de terras.

A Amazônia passou a receber mais atenção com as recentes queimadas, que para a pesquisadora configuram apenas o reflexo de um problema muito maior. “Os atores sociais envolvidos precisam ficar muito atentos para que não percamos tudo aquilo que já foi conquistado. Mesmo que as instituições sejam enfraquecidas, não podemos perdê-las.”

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