Centro de São Paulo sofre ressignificação no imaginário paulistano

Propagandas de recentes empreendimentos na República pregam o “novo centro” como uma região ocupada pela classe mais alta

Imagem: “Younger”/Hudson Rennan

Desde o início do século 21, os moradores da capital paulista vêm observando a revalorização do centro pela iniciativa privada. Depois de ter sido abandonada pela elite e poder público na segunda metade do século 20, a região voltou a se tornar atrativa para o setor imobiliário residencial.

O fenômeno não deixou de ser notado por Maria Pia Carmagnani, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), moradora da região. A pesquisadora decidiu trabalhar o tema em sua dissertação de mestrado intitulada Retornando ao centro: a nova produção imobiliária no distrito da República.

Como o título sugere, na pesquisa, Maria Pia delimitou suas análises às mudanças ocorridas no bairro República. Para conseguir desenvolvê-la, ela fez uso de muitos dados estatísticos e chegou a entrevistar moradores da região.

Segundo a arquiteta, três fatores foram determinantes para a intensificação da atividade imobiliária residencial privada no centro: incentivos por parte do Estado, expansão do mercado da construção civil e estoque de espaço desvalorizado que a região oferecia. “O setor age de forma menos planejada do que imaginamos”, comentou.

Maria Pia percebeu que esse processo resultou em uma “gentrificação em perspectiva”, ou seja, uma ressignificação do centro no imaginário dos paulistanos. Esse termo foi adotado porque a elite não se sobrepôs à comunidade de baixa renda que já habitava a região, mas, apesar disso, essa ideia é amplamente divulgada na sociedade. “Na nossa cabeça, no discurso publicitário e nos artigos de jornais, o novo centro é o centro gentrificado”.

A pesquisadora só descobriu que a gentrificação não era uma realidade quando analisou as estatísticas. “Se você olhar dados socioeconômicos de 2010 a 2017 — que é até onde vai a minha pesquisa —, o número de moradores de rua e de ocupações na República aumentou consideravelmente porque estamos em um contexto de crise econômica”, explicou. Maria Pia fez questão de ressaltar que mesmo se a quantidade de moradores dos novos edifícios for duplicada, o impacto é mínimo em sentido numérico populacional para esse bairro.

A questão é que as propagandas dos novos empreendimentos imobiliários do centro estão atraindo uma classe econômica diferente para a região. Segundo Maria Pia, os moradores desses edifícios são em geral brancos, inquilinos, sem filhos, que contam com formação superior e renda acima de seis salários mínimos. Nas entrevistas que a arquiteta fez com eles, a localização dos prédios parece ter sido o principal incentivo para a mudança. Para ela, é evidente que “há uma transformação no sentido de consumo, das pessoas irem para lá procurar entretenimento, virando uma alternativa de moradia”.

Observando todo esse processo, a pesquisadora notou que as classes mais baixas seguem vivendo em péssimas condições na República. Enquanto isso, ressaltou a arquiteta, o poder público trata esse problema que não é só de gestão urbana, mas também social como algo que será resolvido somente com investimento de capital privado. “O discurso de revitalização também é ideológico porque tem a intenção de trazer a elite de volta”, apontou.

Quando questionada se esse cenário paulistano é uma amostra de uma tendência mundial, ela respondeu que “a requalificação de grandes centros urbanos aconteceu e vem acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, mas São Paulo carrega muitas especificidades e complexidades”. Sendo assim, o que está acontecendo na capital paulistana não pode ser comparado com processos de outros lugares.

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