Ensino de italiano para descendentes de imigrantes é otimizado ao se considerar herança cultural

Pesquisa que estuda línguas de herança passa por Pedrinhas Paulista, cidade fundada por imigrantes italianos. Créditos: Wikimedia Commons

Sons, letras, sílabas, números, expressões, como se apresentar, dizer o nome, a idade, as cores esse é o trajeto básico do ensino de línguas estrangeiras. Em geral, o método utilizado pressupõe que o aluno não teve contato com a língua e irá aprendê-la “do zero”.

No entanto, essa premissa não vale para descendentes de estrangeiros que querem aprender a língua ligada à sua origem familiar. É diante desse problema que surge a tese de doutorado de Vinicio Corrias, feita no Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Sua intenção foi descobrir novos métodos de ensinar uma língua com a qual a pessoa já tem um vínculo familiar, mas ainda não a domina.

Num país em que o processo de imigração foi tão intenso como no Brasil, é muito comum que a língua do país se perca ao passar das gerações. É aí que entra o conceito de língua de herança. “É basicamente a língua dos filhos (2ª geração) e dos netos de imigrantes (3ª geração)”, conceitua Vinicio, apontando que por meio do ensino da língua como um traço de identidade, é possível preservar o idioma.

O campo de pesquisa

Italiano de Cagliari, cidade localizada na região da Sardenha, Vinicio objetivava com a pesquisa conhecer as especificidades do ensino do italiano para pessoas que já têm um vínculo familiar com o país. Para isso, ele partiu da hipótese de que a maneira de se ensinar a língua a alguém que já tenha uma vivência familiar com a cultura italiana não deve ser a mesma do que para ensinar a alguém que nunca teve contato.

O campo de pesquisa escolhido foi a cidade de Pedrinhas Paulista, pequeno município a 480 quilômetros da cidade de São Paulo que conta com uma população de aproximadamente 3 mil habitantes. “[A cidade] é um caso particular, porque Pedrinhas é uma ex-colônia italiana. Ela foi fundada por italianos em 1952. Era um contexto pós-2ª Guerra Mundial, então houve uma série de tratados amigáveis entre os dois países, entre os quais estava previsto a facilitação da imigração de italianos para o Brasil”, diz o pesquisador. Alguns dos imigrantes fundadores da cidade ainda estão vivos. Consequentemente, muitos habitantes são da 2ª geração de imigrantes. “Hoje Pedrinhas tem semelhante proporção de italianos que São Paulo em 1950”, completa.

O curso

A ideia foi criar na cidade um curso de italiano como língua de herança. Nele, os alunos seriam os integrantes da 2ª geração de imigrantes e seria testada uma nova forma de ensinar a língua. Tudo foi idealizado para o estudo, desde a seleção dos alunos e o espaço onde seriam realizados os encontros até a divulgação, em nome da qual fizeram até anúncios para passar na rádio local.

Vinicio, além de elaborar o material didático, ficou responsável por orientar a professora que ministraria as aulas, de forma que ela estivesse atenta a todas as especificidades do ensino de uma língua de herança.

“Como estávamos tratando com filhos de imigrantes, o ensino não pôde ser formal, preso à sala de aula, apenas com o professor e o livro, como normalmente acontece com língua estrangeira. Ali nós tínhamos uma comunidade”. Como consequência, explica ele, uma série de aspectos externos à sala precisavam ser considerados. 

Nas aulas, pessoas eram convidadas a falar de receitas italianas e contar memórias de quando chegaram no Brasil. Além do espaço dentro da sala de aula, eram organizados encontros mensais em que ocorriam saraus e apresentações musicais. O objetivo, segundo o pesquisador, é criar um ensino intracomunitário, em que a comunidade italiana preserve o idioma. 

“No ensino de língua de herança, o professor não pode ser o único a ensinar. Afinal, nesses casos, os alunos têm ‘italianidades’, que não podem ser desconsideradas”.

Apesar do fim do doutorado, o curso se manteve. Após dois anos e a formatura da primeira turma, hoje o curso se sustenta de forma mais estável: a prefeitura passou a fornecer uma sala fixa para as aulas, numa escola municipal. Além disso, o Consulado da Itália em São Paulo hoje subsidia o projeto, o que permite remunerar a professora. “Tudo isso mostra que a sociedade respondeu de forma positiva”. 

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