
A termodinâmica clássica lida com qualquer tipo de motor, máquina a vapor, refrigeradores — processos de perda de calor em geral — e está muito presente no dia a dia. Geladeiras, carros, secadores de cabelo e computadores são exemplos de dispositivos termodinâmicos tradicionais. O que o artigo produzido por Gabriel Landi e Jader Santos, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), em parceria com outros dois pesquisadores da Universidade Federal de Goiás e da Queen’s University Belfast, na Irlanda do Norte, aborda é a termodinâmica quântica. Ela se define por analisar a parcela microscópica desses processos.
Os efeitos quânticos se apresentam em aparelhos como chips de celulares, de cartões de crédito e computadores quânticos e são extremamente sensíveis. Quando um sistema entra em contato com o ambiente, as propriedades da termodinâmica quântica são facilmente perdidas. A perda dessas propriedades é um fenômeno irreversível.
Landi explica que esses fenômenos são análogos à queda de um copo no chão: “nós vemos o copo caindo e se quebrando, mas nunca veremos o contrário: o copo se reerguendo e voltando a ficar inteiro. Existem coisas que acontecem num caminho, mas não acontecem no caminho de volta”. Um processo reversível seria como o soltar de um pêndulo, que se movimenta e retorna ao mesmo lugar.
A teoria matemática necessária para compreender o grau de irreversibilidade da perda de recursos quânticos ainda está incompleta. O artigo publicado pelos quatro pesquisadores visa separar a parcela quântica da parcela clássica na determinação do grau de irreversibilidade de um processo. “Conseguimos realmente medir a contribuição quântica para a irreversibilidade”, diz Landi.
Como foi feita a pesquisa?
Para que propriedades quânticas sejam estudadas, é necessário criar sistemas em que o isolamento do ambiente é tão grande a ponto de possibilitar que elas não se percam: sistemas quânticos coerentes. Neles, essas propriedades podem ser controladas e medidas. Mas em sistemas quânticos abertos — qualquer situação prática em que uma máquina termodinâmica esteja sendo utilizada — o contato com o exterior é inevitável. A teoria descrita no artigo é capaz de medir o grau de irreversibilidade das perdas causadas por este contato.
A pesquisa começou a partir de uma teoria já utilizada em sistemas clássicos, responsável por medir o grau de irreversibilidade de um processo qualquer. “O primeiro passo foi compreender como estender essa teoria para levar em conta sistemas quânticos”, afirma Landi. A partir disso, foi possível identificar qual parcela daquele número já atingível era quântica e qual era clássica. “Ou seja, a gente tem uma figura de mérito, um número que vai te dizer quão irreversível é um processo. E daí fomos capazes de separar e dizer: olha, parte desse número é devido a física clássica e parte é devido a efeitos quânticos.”
Para chegar a esse resultado, os pesquisadores combinaram ferramentas de sistemas quânticos abertos — no fundo a teoria matemática que permite descrever esse contato do sistema com o ambiente — com o formalismo usado para estudar recursos quânticos. “Por um lado, o ambiente tenta destruir esses recursos, por outro, quer-se utilizá-los para construir algo. A questão é proteger o sistema do ambiente, proteger esses recursos para que não sejam degradados. E então quantificar quanto disso se perdeu”, finaliza o pesquisador.
Como funcionam os computadores quânticos?
Computadores quânticos são exemplos de como recursos quânticos podem ser utilizados para desenvolver aparelhos mais eficazes. Eles fazem uso de propriedades como o emaranhamento e a superposição.
Superposição é a capacidade de uma partícula quântica, como um elétron, estar em dois lugares ao mesmo tempo. “Parece impossível, mas é algo que a física quântica prevê”, explica Landi. Já o emaranhamento, segundo o pesquisador, se refere a existência de certas partículas que “mesmo arbitrariamente distantes — uma poderia estar na Terra e a outra em Marte — sentem imediatamente o que é provocado à outra”.
Um exemplo é a fatoração de grandes números, usada para descobrir novos números primos. Números primos de até 256 dígitos são utilizados para criptografar senhas de banco, logins e senhas de e-mail. Os novos computadores poderiam decodificar esses números. Também seria possível simular sistemas sofisticados, como biológicos, meteorológicos, astronômicos e moleculares.
A medida do grau de irreversibilidade de perdas é um passo importante para aumentar a eficiência destes aparelhos. “Acreditamos que nosso trabalho será uma ferramenta útil para caracterizar as perdas em computação quântica. Ele será uma ferramenta auxiliar a ela”, afirma Landi.
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