Ondas de calor tem seus comportamentos estudados na América do Sul

Análises estatística implantada por pesquisador identifica distintos comportamentos de altas temperaturas e em quais regiões eles estão atuando

Altas temperaturas causam diversos impactos socioambientais. Créditos: GIPHY

Na década atual houve um aumento das temperaturas acima da média. Apesar de serem recorrentes, elas estão se tornando cada vez mais comuns. Pensando nisso, o meteorologista Isaque Saes Lanfredi realizou sua dissertação de mestrado “As ondas de calor e na América do Sul e sua atuação regional” no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG). Segundo ele, a motivação do tema engloba diversos aspectos das consequências causadas pelo calor: “Os eventos prolongados de altas temperaturas tem implicações, afetam o abastecimento, recursos humanos e outros fatores”. Neste contexto, ele desenvolveu uma pesquisa com mapeamento de como essas ondas de calor acontecem ao longo da América do Sul, assim como descreveu seus os respectivos impactos em cada localidade.

Ondas de calor ocorrem em dias consecutivos de elevadas temperaturas. Créditos: Tenor GIFs

“Extremos de temperatura como os recordes de temperatura em 17 de outubro de 2014’ são diferentes de uma onda de calor. Elas ocorrem quando há dias consecutivos de elevadas temperaturas e parte do meu trabalho foi verificar se as ondas de calor estão aumentando e se os extremos [de temperatura] estão acompanhando esse ritmo” explica.

De maneira global, houve diversos exemplos em que países tipicamente frios sofreram consequências por causa do calor: “Existem diversas publicações de notícias informando recordes de temperatura no Hemisfério Norte e, em janeiro deste ano, na Austrália. “Quando se fala de eventos de frio, também houve no Estados Unidos, com o Donald Trump questionando o aquecimento global. Mas, a quantidade de notícias de recordes de altas temperaturas é muito maior.”

O destaque do trabalho de Isaque sobre a América do Sul ocorre porque foi o primeiro a analisar como as ondas de calor atuam em suas particularidades de acordo com cada região do subcontinente. Antes, as ondas de calor apenas eram avaliadas em localidades específicas ou através de eventos específicos. Para isso, utilizou dados de temperatura do ar, temperatura da superfície do mar, reanálises (assimilações de diversos dados meteorológicos por simulações numéricas), e dados de precipitações desde 1980 até 2015.

 “Como sou meteorologista, meu foco é observar os impactos nos sistemas meteorológicos, para justamente tentar compreender como exatamente funcionam e, ter propriedade para fazer algum tipo de manifestação”, explicou. Ao juntar as informações, o cientista criou um processamento via técnicas estatísticas que gerou informações do campo meteorológico a respeito da América do Sul e adjacências, demonstrando um aumento nos extremos de temperatura e sua duração.  

Imagens apresentam mapas de sensibilidade para as estatísticas relacionadas às altas temperaturas, evidenciando as regiões homogêneas pelos retângulos correspondentes. Imagem cedida pelo entrevistado.

Foi possível identificar 10 regiões homogêneas, onde as altas temperaturas apresentam o mesmo comportamento. São elas: Semiárido e Centro-Oeste brasileiros, Costa do Paraná, Uruguai e Argentina, Terra do Fogo, Pacífico Sul, região de Galápagos, Sudeste da Colômbia, Norte do Amazonas e Sul da Bolívia (Altiplano). O mapeamento foi possível através da elaboração de uma técnica estatística que indica onde as ondas de calor atuam conforme suas particularidades, evidenciando quão as temperaturas de uma região reagem em razão das temperaturas de outras regiões (medida de sensibilidade), para assim resumir grande quantidade de informação de modo que consiga representar a América do Sul.

O próximo passo consistiu em analisar os dados regionais relacionados à pressão atmosférica, precipitação, temperatura etc para, a partir daí, conseguir realizar mapas meteorológicos correspondente a cada região homogênea. Posteriormente, o pesquisador abordou cinco das regiões mais representativas e que resumem as outras, conforme listadas abaixo:

Semiárido brasileiro

Síntese climatológica da circulação atmosférica relacionada às ondas de calor na região homogênea R1 – Semiárido. À esquerda, mapa ilustrativo com as principais características encontradas nos seis mapas da direita, mostrando circulações anômalas em altitude, anomalias de precipitação (positivas em azul, negativas em laranja), e de Temperatura da Superfície do Mar (TSM).” Imagem cedida pelo entrevistado.

“Quando há ondas de calor no semiárido nordestino, há um aumento das chuvas na região Sul do País e no Pacífico Equatorial. As ondas de calor ocorrem por falta de precipitação (chuva) e esse déficit está relacionado ao excesso nas outras localidades. É um mecanismo de compensação que existe na natureza”, diz Isaque.

Centro-Oeste brasileiro

Síntese climatológica da circulação atmosférica relacionada às ondas de calor na região homogênea R2 一 Centro-Oeste. À esquerda, mapa ilustrativo com as principais características encontradas nos seis mapas da direita, mostrando circulações anômalas em altitude, anomalias de precipitação (positivas em azul, negativas em laranja), e de Temperatura da Superfície do Mar (TSM).” Imagem cedida pelo entrevistado.

“Na região Centro-Oeste, as ondas ocorrem principalmente no verão porque normalmente, há formação de corredores de umidade e de convergência”. Mas, às vezes, como ocorreu em 2014 e neste ano, para de chover na região e acaba esquentando. E isso está relacionado com um anticiclone que fica parado por um tempo no local, comenta o pesquisador.

Costa do Paraná

Síntese climatológica da circulação atmosférica relacionada às ondas de calor na região homogênea R3 – Costa do Paraná. À esquerda, mapa ilustrativo com as principais características encontradas nos seis mapas da direita, mostrando circulações anômalas em altitude, anomalias de precipitação (positivas em azul, negativas em laranja), e de Temperatura da Superfície do Mar (TSM).” Imagem cedida pelo entrevistado.

Em São Paulo, foi possível identificar associação com aproximações de frentes frias. Quando uma frente fria se aproxima após vários dias sem chuva ocorre uma “explosão” no nível das temperaturas. Em 2019, por exemplo, as temperaturas mais altas ocorreram da segunda metade de dezembro até o início de fevereiro, ficando, ainda mais elevadas, dias antes da vinda da frente fria que encerrou a onda de calor. Com a vinda da frente fria em fevereiro, as precipitações se normalizaram e as temperaturas entraram dentro da média.

Síntese climatológica da circulação atmosférica relacionada às ondas de calor na região homogênea R4 – Uruguai e Argentina. À esquerda, mapa ilustrativo com as principais características encontradas nos seis mapas da direita, mostrando circulações anômalas em altitude, anomalias de precipitação (positivas em azul, negativas em laranja), e de Temperatura da Superfície do Mar (TSM).” Imagem cedida pelo entrevistado.

Na Argentina há a atuação de um anticiclone atrelado ao escoamento dos ventos de norte devido à topografia dos Andes, “canalizando” os ventos que vem desde a Amazônia e chegam à região Sul e à Argentina.

Colômbia

Síntese climatológica da circulação atmosférica relacionada às ondas de calor na região homogênea R8 – Sudeste da Colômbia. À esquerda, mapa ilustrativo com as principais características encontradas nos seis mapas da direita, mostrando circulações anômalas em altitude, anomalias de precipitação (positivas em azul, negativas em laranja), e de Temperatura da Superfície do Mar (TSM).” Imagem cedida pelo entrevistado.

Quando acontece uma onda de calor na região da Colômbia e seus países vizinhos, sobretudo na Floresta Amazônica, ela está relacionada com as chuvas brasileiras acima da média. Reciprocamente, há fortes chuvas na Colômbia quando há chuvas abaixo da media no Centro-Oeste; ou seja, existe uma “gangorra de chuva”, como uma forma natural de compensação. Se não chove em uma localidade dos trópicos, normalmente essa ausência de precipitação causa a elevação das temperaturas.    

Estudo do clima com relação ao padrão de circulação atmosférica predominante das ocorrências das ondas de calor na região.mostrando circulações anômalas em altitude, anomalias de precipitação (positivas em azul, negativas em laranja) Imagem cedida pelo entrevistado.

Seu trabalho, além de outros já feitos, mostrou que, de maneira geral, a América do Sul teve um aumento nas ondas de calor conforme o passar dos anos e isso está relacionado com o aumento da temperatura do planeta em nível global, sugerindo a atuação das ações antropogênicas (humanas) para o aumento das ondas de calor.     

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