Exercícios físicos beneficiam pacientes que apresentam perda de peso causada pelo câncer

Hospital Universitário, uma das sedes em que são feitas as pesquisas com pacientes | Foto: Marcos Santos / USP Imagens

É muito comum pessoas com câncer apresentarem perda de peso acentuada. Essa condição é conhecida como caquexia, problema que dificulta o tratamento da doença e faz o paciente perder qualidade de vida.

A pesquisadora Marilia Seelaender, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, é responsável por desenvolver estudos que buscam entender melhor a caquexia associada ao câncer. “Como não sabemos o que causa a caquexia e seus sintomas podem ser diferentes de uma pessoa para outra, temos três objetivos principais”, explica. O primeiro é achar um critério de diagnóstico que não seja caro. O segundo, entender porque ela começa e porque alguns indivíduos desenvolvem e outros não. O último, desenvolver um tratamento.

Segundo Seelaender, os estudos que envolvem a caquexia, nos últimos 30 anos, sempre tiveram como enfoque o músculo. Quando alguém busca perder peso, por exemplo, através de dietas e regimes alimentares, a tendência é preservar massa magra e eliminar gordura. Na caquexia essa situação é contrária. Em função disso, os músculos foram estudados com muito mais afinco.

Em contrapartida, o tecido adiposo nunca foi muito analisado nos casos de caquexia. Ele também é perdido, fica inflamado e libera grandes quantidades de fatores inflamatórios para a circulação. Uma das hipóteses levantadas durante a pesquisa diz respeito a caquexia ser causada por essa inflamação sistêmica oriunda do tecido adiposo, que gera a perda de peso como consequência, já que os órgãos tornam-se incapazes de absorver os substratos energéticos para manterem suas funções.

Uma das linhas do estudo investiga o que causa a inflamação do tecido adiposo através da análise dos tumores. Foi constatado que alguns tumores são mais capazes de gerar essa reação no tecido de acordo com o tipo de câncer. Os de pulmão e de pâncreas são mais relacionados a caquexia do que o de mama, por exemplo. Além disso, pessoas com o mesmo tipo de câncer podem, ou não, desenvolver caquexia.

Buscando entender melhor a dinâmica dessa síndrome, uma pergunta que surge e que também está nos objetivos da pesquisa é: como tratar? Duas estratégias foram desenvolvidas: o tratamento através de suplementação alimentar e de exercícios físicos. A suplementação pretende mudar, através de alguns nutrientes, a expressão gênica de enzimas para fazer com que os órgãos tornem-se capazes de usar novamente os substratos energéticos.

Inicialmente, os testes foram feitos em ratos de laboratório durante 20 anos. Nessa etapa, inclusive, foi descoberto que era o tecido adiposo que precisava ser mais estudado.  De acordo com os resultados, os exercícios físicos mostraram-se muito eficazes. Fazendo os ratos correrem na esteira por seis semanas, os tumores diminuíam e toda a inflamação e a incapacidade de utilização dos nutrientes eram suprimidas pela atividade física crônica. Experimentos de força também foram realizados, entretanto não tiveram resultados tão positivos quanto os testes realizados na esteira.

“Com o sucesso do tratamento a partir dos exercícios, conseguimos a licença para fazer nos pacientes também”, explica Seelaender. Atualmente, a pesquisa é realizada com pacientes do Hospital Universitário da USP (HU), da Santa Casa e do Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho. Nesses hospitais, os alunos buscam pessoas que desejam participar. Então, os pacientes são alocados para os estudos de nutrição, de exercícios ou nenhum destes, caso não queiram. Passadas seis semanas, vão para a cirurgia (tempo médio de espera nos hospitais públicos para procedimentos não urgentes) e os estudantes realizam algumas coletas permitidas pelos pacientes, como pedaços do tecido adiposo, do tumor, do músculo, do fígado e do intestino, que serão analisados em laboratório.

Ana Celia Nascimento, que tem câncer de intestino, conheceu a pesquisa através de uma consulta médica no HU e decidiu participar. Passou dois meses sob acompanhamento de Renata de Castro Gonçalves, aluna de doutorado, realizando exercícios físicos. Ela notou mudanças após começar o tratamento.

No dia 18 de abril, Ana Celia passou por um teste de esteira antes da cirurgia | Foto: Marcelo Canquerino

Seelaender conta que os resultados da pesquisa estão sendo muito bons. Pessoas caquéticas conseguem se adaptar muito mais rápido aos exercícios do que aqueles não caquéticos. As análises do tecido dos pacientes indicaram que os músculos foram preservados e tornaram-se menos infiltrados com gordura, os participantes não perderam mais peso e o fígado e o tecido adiposo foram mantidos. “Tudo que nós vimos no ratinho, aconteceu nas pessoas também”. O principal efeito dos exercícios é reduzir a inflamação, “reduzindo a inflamação do corpo todo, inclusive do cérebro, tudo volta a funcionar normalmente”.

Mais de mil pacientes de hospitais públicos foram beneficiados por participarem do estudo. Praticar exercícios físicos é grátis e pode ajudar muito na melhora da qualidade de vida de pessoas doentes. A pesquisadora comenta sobre a possibilidade da instauração de protocolos de exercícios físicos antes das cirurgias. “Temos que quebrar essa ideia de que andar é ruim e que as pessoas têm que ficar na cama. Caminhar vai fazer uma diferença enorme na saúde de quem tem câncer.”

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