Quando um viaduto na Marginal Pinheiros cedeu em novembro do ano passado, surgiu uma discussão acerca da negligência com essas estruturas em São Paulo. Foi em boa hora, portanto, que o pesquisador Enson Portela publicou sua tese de doutorado — conduzida na área de Engenharia de Estruturas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) — na qual ele quantifica o tráfego de caminhões em pontes federais. A partir dos resultados obtidos, foi gerado um banco de dados que permite avaliar o impacto produzido por esses veículos, bem como calibrar o modelo de carga móvel atual segundo o qual essas estruturas são construídas.
A corrosão é uma das principais causas de degradação das pontes brasileiras. Associado a esse fenômeno, o excesso de carga em caminhões pode levar a estrutura a trabalhar sob condições limites e, eventualmente, ao colapso. Conhecer o tráfego também permite estudar os efeitos que estes têm no pavimento. “Se eu dobro a carga do caminhão, o dano que ele causa ao pavimento não só dobra – ele pode ser aumentar exponencialmente”, explica Portela.
Embora existam postos de pesagem que regulam essas ações, estes não funcionam integralmente e são facilmente evitados pelo uso de rotas alternativas. Como consequência da falta de acompanhamento, o Brasil não possuía dados referentes à sua frota de veículos: “O ponto é que pra você definir o modelo de carga móvel compatível com o tráfego, você precisa conhecer o tráfego. E a minha tese fez exatamente isso.”
Questão histórica
A norma de carga móvel vigente no Brasil — a NBR7188:2013, que tem como objetivo definir as características básicas dos veículos que passam sobre pontes e viadutos rodoviários — é derivada da norma de 1943, que por sua vez foi copiada do modelo alemão utilizado na Segunda Guerra Mundial. Este consistia em uma carga distribuída por área, que representava o pelotão, e uma carga pontual, que representava o tanque de guerra. No Brasil, os valores são de 5kN/m² e 450 kN, respectivamente.
Ao longo das últimas décadas, esses valores mudaram em uma tentativa de ajuste à frota que, historicamente, sempre foi desconhecida pelos engenheiros projetistas. Na criação da primeira norma, a frota brasileira era insignificante do ponto de vista estrutural. Com o aumento do tráfego, porém, a segurança das pontes projetadas segundo esses modelos tornou-se incerta.
A fim de realizar a pesagem para a pesquisa — orientada pelo professor Túlio Bittencourt — foi utilizado um sistema constituído por sensores inseridos no pavimento das estradas que calculam os esforços exercidos sobre os eixos dos veículos que passam sobre eles, chamado de Weigh-In-Motion. Os sensores, ao contrário das balanças fixas, são imperceptíveis aos motoristas e operam ininterruptamente. Um sistema foi instalado na rodovia Fernão Dias (SP), financiado pela Arteris S.A. No total, foram registrados mais de 10 milhões de caminhões (20 meses de dados). Também foi utilizado um sistema similar no Rio Grande do Sul, mas com apenas 4 meses de dados.
Portela utilizou os resultados obtidos para simular seus efeitos em diversas pontes: “O que a gente verifica é que a norma tem um certo nível de conservadorismo em relação ao cálculo dos esforços que atuam sobre a ponte. O que é bom”. Agora, com a disponibilidade do banco de dados referente ao tráfego brasileiro e sua comparação com o modelo de carga móvel, é possível — ao analisar como determinada ponte foi construída e como ela se encontra hoje — determinar a resistência que ela ainda apresenta e o nível de segurança que ela fornece.
“Ninguém no Brasil tem esses dados. Nem empresa pública, nem empresa privada tem o nível de dados sobre o nosso tráfego que nós temos por conta desse projeto da Arteris”, afirma Portela. E a aplicação dos dados não se restringe ao modelo de carga móvel: eles também podem ser utilizados em estudos referentes ao dimensionamento de pavimentos, à geometria de estradas, aos preços de pedágios e à logística de cidades, por exemplo.
Mas, e os viadutos sob risco de colapso em São Paulo? Eles, em geral, não sofrem com a sobrecarga de veículos, tão somente com a corrosão natural do concreto. “O problema que a gente tem — e aí é nível nacional, não só São Paulo — é que há um descaso completo. A gente não tem inspeção, a gente não tem nenhum programa de manutenção. E isso é uma coisa histórica: é de todos os governos em todas as escalas. Com o dinheiro que foi gasto pra fazer a restauração desse viaduto de São Paulo dava para praticamente construir um viaduto novo”, conclui Portela.
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