Experimento descobre centenas de modos dentro de um único feixe de luz

Contribuição para física quântica poderá colaborar com a criação de computadores mais eficientes

Os raios de laser verde são bombardeados no cristal

Com o intuito de contribuir para os estudos de física quântica através da ótica, surge a pesquisa dos professores Marcelo Martinelli e Paulo Nussenzveig, do Instituto de Física (IF) da USP. Desde 2004, trabalham incidindo raios de laser verdes em um cristal que faz com que a luz seja convertida em dois feixes infravermelhos. O objetivo é estudar as informações quânticas presentes nestes feixes.

Primeiro, o cristal é posicionado entre dois espelhos não perfeitos. As falhas que eles possuem na superfície permitem que a luz do laser verde entre por um deles, fique aprisionada na cavidade interagindo com o cristal e, então, saia como dois raios infravermelhos através do outro espelho (refração) ou retorne através do mesmo (reflexão). Esse é um processo quântico.

Entre outras coisas, ser quântico significa portar propriedades que não estão presentes na física clássica, uma delas é a correlação. Isto é, em uma placa de vidro simples, quando uma luz é incidida ela tem 50% de chance de ser refletida e 50% de ser transmitida (atravessando a placa). Em um grande espaço amostral, a tendência é que metade das ondas de luz tenha sido refletida e a outra metade transmitida.

No entanto, essa conta não é perfeita e, em um espaço amostral menor, não necessariamente o resultado precisa ser meio a meio, pois cada probabilidade é independente das outras. Contudo, se na física clássica a luz é medida através de ondas, na quântica é através de fótons.

No cristal, o fóton verde, que vem do laser de bombeio verde, pode ser refletido ou gerar outros dois fótons infravermelhos (o que acontece na refração). A diferença é que as três possibilidades estão fortemente correlacionadas, ou seja, para cada fóton refletido, existem outros dois que foram fracionados. Os três feixes de luz resultantes de bombeio estão ligados de forma que a existência de um está associada em número e característica com a dos outros dois.

O raio infravermelho possui uma energia menor que a do feixe verde, no entanto, nenhuma energia é absorvida pelo cristal. Por isso, a somatória final dos feixes infravermelhos e verde refletido deve ser igual a original do feixe de bombeio.

O feixe verde entra na cavidade através das falhas dos espelhos, interage com o cristal e pode ser refletido ou gerar dois feixes infravermelhos.

“Ao utilizar uma fonte quântica como a que a gente gera no laboratório, é possível separar os feixes de luz gerados e criar uma situação em que não só as intensidades medidas são muito próximas, mas as flutuações também são altamente correlacionadas”, explica Paulo Nussenzveig. “Os feixes nascem juntos, são gerados aos pares, então se eu tenho um fóton em um raio, sei que vou ter um correspondente no outro.”

No laboratório, essa conta não é absolutamente perfeita, pois todo experimento em ótica ainda envolve perdas de informação. No entanto, as correlações continuam sendo muito mais fortes que as da física clássica, elas envolvem propriedades ondulatórias, momento linear, fases e outras características. Todas elas se somam. Isso significa que a somatória do momento linear dos 3 feixes resultantes deve ser igual à do feixe de bombeio.

A conclusão mais recente dos professores, publicada em agosto de 2018, é que ao observar em detalhes os três feixes de saída a informação que eles carregam não está codificada exatamente na frequência central, e sim em uma frequência um pouco descolada. Passa-se a analisar, então, outras duas frequências, uma deslocada um pouco acima e outra um pouco abaixo da que seria a central. Estes sinais se chamam modos e estão na banda lateral dos feixes de luz, deslocados em alguns megahertz.

“É o mesmo que a codificação de uma informação no rádio, ela tem uma certa frequência modulada, mas, na realidade, você não mede o sinal exato e perfeito da frequência, e sim ele deslocado um pouco para um lado e um pouco para outro”, explica o professor Marcelo Martinelli.

Em detalhes, não havia apenas três campos eletromagnéticos correlacionados, e sim seis. Todos eles provenientes do feixe verde de bombeio. Isso acontece por que, cada feixe resultante de luz transporta dois campos.

Estes modos funcionam como caixinhas alocadas em uma determinada frequência de luz. O feixe de bombeio, por exemplo, já carregava essas caixinhas (modos), no entanto, era como se elas estivessem vazias, sem nenhum fóton e, portanto, sem luz nem informação. Nas interações que acontecem no cristal, a energia é redistribuída, o que faz com que os fótons sejam “realocados dentro desses modos.”

Apesar de trabalharem com uma determinada frequência e, por isso, olharem apenas para dois modos nas bandas laterais. Na direção do feixe há centenas de outras frequências associadas, cada uma com seus respectivos modos, preenchidos após a interação com o cristal. Em todos eles, os fótons colocados a partir da interação carregam informações quânticas.

“Em um feixe de luz está a portadora, que funciona como modo central e anteriormente era o único que mediamos. Em torno dela, há um número muito grande de outros modos, todos eles com fótons e informação”, explica Paulo Nussenzveig. “Escolhemos a banda que vamos medir a partir da frequência com a qual estamos trabalhando. Se quiséssemos fazer a análise em outra banda, deveríamos escolher uma frequência diferente para captar as informações.”

Portanto, é como se existisse uma série de conjuntos com seis modos correlacionados entre si, cada qual em uma frequência diferente. “A perspectiva do nosso trabalho é que, futuramente e por determinação nossa, a gente consiga fazer com que os primeiros 6 modos que medimos conversem com outros 6 e com outros 6”, completa Marcelo Martinelli. “Ao fazer isso, podemos criar uma correlação entre eles e passar de 6 modos emaranhados para algumas dezenas de milhares.”

Futuras aplicações

Existem grandes perspectivas para o uso da física quântica em desenvolvimento de sistemas e tecnologias. Um dos maiores desafios da computação hoje é como armazenar mais informações e processá-las em uma velocidade mais rápida. As correlações mais fortes que a física quântica traz possibilitam a criação de sistemas de processamento muito mais complexos e eficientes.

A criptografia, por exemplo, é uma medida de segurança muito utilizada em sistemas e se baseia na dificuldade intrínseca de se faturar um número em seus componentes primos. Para fazer isso, deve-se pegar o número criptografado e dividi-lo por todos os números primos já listados. Um computador clássico pode demorar anos fazendo este processamento, já um quântico conseguiria decodificar em poucas etapas.

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