No Maranhão, é dever dos participantes de facções manter a ordem por entre os corredores da Penitenciária Regional de São Luís, sendo responsáveis por funções cotidianas. Mas, o que leva os presos a se submeterem à participação nessas organizações? Essa foi a questão que levou Andressa Loli Bazo, da Faculdade de Direito (FD) da USP até lá. Andressa estudou como os presos se viam e quais as relações de pertencimento construídas no seio de uma facção através de análises discursivas em entrevistas na penitenciária de segurança média, onde ficam encarcerados os líderes das facções.
Andressa se apoiou no conceito de Análise Institucional do Discurso – desenvolvido pela professora Marlene Guirado, do Instituto de Psicologia (IP) da USP – para examinar as entrevistas com os detentos de São Luís. Foram feitas perguntas sobre a história de vida dos faccionados e sua perspectiva de futuro, e não necessariamente sobre a vida deles no crime e na prisão. “Eu perguntava qual a história de vida, e analisava como a facção aparecia na vida dele” afirma.
O contexto no qual foram conduzidas as entrevistas foi atípico, pois existia uma tensão por conta da paralisação dos presos que reivindicavam permissão para que suas famílias entrassem com roupas e alimentos nas unidades prisionais, onde isso havia sido restrito. Em função da tensão no Presídio Regional de São Luís, as entrevistas com os detentos aconteceram na sala da administração, com os presos algemados e um agente de segurança atento na porta semiaberta.
Foram, então, entrevistados seis presos de uma mesma facção. A pesquisadora utilizou pseudônimos para se referir a eles em sua pesquisa, são eles: Francisco, Joaquim, Sebastião, Manoel, Raimundo e Paulo. Das seis entrevistas, Andressa conseguiu agrupar cinco e separá-las nos tópicos: Linguagem e separação; Sujeito-facção: a questão do pertencimento; O lugar da injustiça; A facção como prisão.
Dentro da cadeia, os participantes das facções são os responsáveis por tarefas como faxina, distribuição dos alimentos, organização da escola e negociação com os agentes penitenciários, por exemplo. Um dos pontos em comum que Andressa encontrou nas cinco entrevistas foi a forma que o faccionado vê o grupo que pertence a partir da função que exerce. É pelo exercício dessas funções que os presidiários encontram uma identificação, já que são suas tarefas que os diferenciam dos demais presos. A facção confere funções aos detentos também como uma forma de fazer com que eles se sintam importantes.
Além disso, a pesquisadora notou que a linguagem é um fator marcante sobre a relação dos sujeitos com a organização. Ela comenta que notou a separação de comunidades discursivas na fala dos entrevistados: “Por vezes, quando eles falavam comigo sobre a justiça, utilizavam uma linguagem essencialmente formal. Quando falavam da facção, usavam muitas gírias e mudavam a forma como se expressavam”. De acordo com ela, a linguagem marca o vínculo com a facção.
“A história de vida não começa em nenhum ponto que não a vida no crime”. Ao serem perguntados sobre qual era sua história, os presos começaram suas falas contando sobre o crime que os levou até a prisão. “O crime não marca um rompimento, ele faz parte da ordem natural das coisas e atravessa todo o discurso” afirma a especialista. Ela conta que, ao contrário do natural, as falas não eram permeadas por histórias sobre a família, profissão, infância ou outros fatores além do conflito com a justiça.
Por fim, o fator mais importante notado nas falas dos presos e a conclusão da análise discursiva das entrevistas talvez seja o sentimento proporcionado pela facção. A facção é retratada como condicionante do futuro desses presos, sendo ela antecedente da prisão através da cooptação ainda nos bairros, e também sucedente. Existe um sentimento de predestinação à entrada nessas organizações. Diferente de São Paulo, onde as facções parecem ter sido fundadas dentro do cárcere, as facções maranhenses estão divididas por bairros.
Os presos condicionam suas vidas às organizações, e o sentimento gerado não é o de pertencimento, e sim o de aprisionamento e disciplina. Andressa afirma que, quando perguntados sobre a perspectiva para o futuro, os faccionados afirmavam que iriam sair do presídio, mas que continuariam na facção, porque dela não têm saída. A facção aparece, portanto, como mais aprisionadora que a própria prisão.
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