Educomunicação aparece pela primeira vez em documento da Igreja Católica

Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil é ainda desconhecido em alguns lugares, mas práticas educomunicativas estão presentes há décadas na instituição

O Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil pode ser adquirido nas livrarias católicas ou em lojas virtuais das Edições CNBB | Imagem: Reprodução

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, em 2014, seu primeiro diretório específico de comunicação. Nele, notou-se a presença do termo “educomunicação”, nunca antes mencionado em documentos católicos. Nesse contexto, Maurício Nascimento Cruz Filho desenvolveu uma tese de doutorado a fim de analisar se a Igreja compreende a importância desse conceito. Denominada A Educomunicação no Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil: aprendizagem em perspectiva, a pesquisa foi apresentada à Escola de Comunicações e Artes da USP e faz parte do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação.

Inspirado pelo pioneiro diretório italiano Comunicazione e Missione: direttorio sulle comunicazioni sociali nella missione della Chiesa (tradução livre: Comunicação e Missão: diretório sobre comunicação social na missão da Igreja), de 2004, o Documento 99 da CNBB: Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil é o segundo desse porte relacionado à comunicação da Igreja Católica no mundo.

O Diretório de Comunicação possui dez capítulos que apresentam diferentes reflexões sobre a comunicação, além de oferecer ações com propostas de diversas atividades. Ele contém ainda um glossário de comunicação com termos próprios da área. Para o pesquisador, o documento que foi desenvolvido durante 10 anos tem grande relevância ao catolicismo: “Ele é o ápice histórico de um trabalho desenvolvido mundialmente”.

Comunicação e Missão: diretório sobre comunicação social na missão da Igreja, 2004 | Imagem de divulgação do livro

Constituídas em 18 regionais, várias representações da CNBB por todo o Brasil foram visitadas por Maurício Cruz, que constatou que muitos membros não tiveram acesso ou desconheciam a existência do documento. Isso porque os regionais são independentes, levando em conta as condições econômicas e políticas onde cada um se localiza. Para Cruz, a comunicação às vezes não é um fator de prioridade para alguns regionais, mas, com otimismo, lembra que os poucos que tiveram a oportunidade de ter o diretório em mãos implementaram a prática educomunicativa na comunicação local.

Ainda assim, o estudioso, no decorrer da pesquisa, entrou em contato com as grandes mídias católicas brasileiras, inclusive as televisões, a fim de conhecer como o diretório tem influenciado esses veículos. Porém, não obteve retorno, o que supõe novamente o desconhecimento da publicação e enfatiza ainda mais a deficiência na disseminação do documento nas amplas partes da Igreja.

Maurício Cruz acredita que a CNBB ainda está em fase de aprendizagem da terminologia, mas recorda que a educomunicação é metodologicamente utilizada na Igreja desde a década de 1960: “A sistematização do conceito é nova, mas a prática não”. Porém, por não ser sistematizado, suas práticas acabam por se dispersar.

No entanto, para ele, se a comunicação católica não fosse comunitária, a educomunicação não teria como emergir nesse contexto e, por isso, ela é tão importante para a Igreja. Dessa forma, de acordo com o pesquisador, falta às autoridades mais empenho para perceber o quão vital é a comunicação para a Igreja, fato bem explorado pelos evangélicos. “Enquanto a Igreja Católica não perceber que comunicação é o que está fazendo o Brasil acontecer, ela vai perder cada vez mais fiéis no sentido de presença”, reforçou Cruz.

Mário Kaplún (1923-1998), que criou o termo “educomunicação” na década de 1950, tinha uma percepção diferente de como ele é compreendido hoje. Desenvolvido pelo orientador da pesquisa, o professor Ismar Soares, o conceito ganhou corpo teórico e se tornou uma referência paradigmática na ação comunicativa.

De acordo com Maurício Cruz, Kaplún tinha apenas a vertente crítica do conceito, mas, quando a educomunicação foi sistematizada, se dividiu em sete áreas. E é dessa forma que deve ser a evolução necessária para que a Igreja compreenda de fato o novo paradigma de gestão comunicativa que a educomunicação representa.

Segundo Maurício Cruz, o trabalho evangelizador de Jesus era também educomunicativo | Pintura do século 19 retratando o Sermão da Montanha, de Carl Bloch

Em sua tese, o pesquisador comenta que Jesus Cristo foi um educomunicador, pois, teologicamente, Jesus se comunicava com todas as possibilidades que estavam ao seu alcance, ouvindo e dando voz aos oprimidos. “Esse processo de incluir a pessoa no discurso e na linguagem é metodologicamente um trabalho educomunicativo”.

O pesquisador pretende aprofundar essa percepção na catequese, espaço em que a educomunicação pode ser fundamental. Ele planeja criar grupos de estudo em várias paróquias para verificar como se trabalharia este conceito no processo e a partir daí na pastoral da comunicação, compreendida como integradora das demais iniciativas pastorais da Igreja Católica.

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