Atual política externa brasileira apresenta pouca polarização ideológica, analisa pesquisador

Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP analisa como o poder legislativo atua na política externa brasileira — e o quanto a distinção entre direita e esquerda não é marcante no assunto

Deputados do Poder Legislativo apresentam pouca polarização em política externa (Fonte: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

O inciso VIII do Art. 84 da Constituição Federal diz que “compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Tal passagem já demonstra uma preponderância do poder executivo a nível federal — ou seja, o presidente — na tomada de decisões da política externa no Brasil.

O poder legislativo, a partir disso, poderia referendar decisões já tomadas. Medir como o poder legislativo atuava dentro de suas prerrogativas constitucionais e seu apoio à presidência, portanto, foi tema de pesquisa de Pedro Feliú Ribeiro, professor no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP), que notou o elevado grau de delegação do poder e o fato de não haver fortes polarizações ideológicas.

Partindo tanto de uma análise de estimação de ideologia de países por votos na Assembleia Geral da ONU quanto de votações nominais dos assuntos de política externa dentro do Brasil, Feliú observou que, nesse assunto, não é verificável a polarização ideológica entre direita e esquerda que ronda tantos outros assuntos de política doméstica, como as reformas previdenciária e trabalhista: “a despeito de sermos direita e esquerda no âmbito doméstico, na distinção global somos todos terceiro mundo”, diz Feliú.

Enquanto em assuntos internos percebe-se claramente a polarização dos espectros ideológicos e dos partidos (considerando suas posições em votações legislativas), bem como uma polarização por mais ou menos Estado e mais ou menos proteção social e direitos econômicos, o pesquisador argumenta que em assuntos de política externa esse campo marcado não existe. “Na política externa não se acha essa dimensão ideológica e partidária com clareza. Não é possível dizer que a direita é contrária à integração regional ou contra uma linha terceiro mundista .É possível dizer que a esquerda é contra os Estados Unidos? Não nos nossos governos de esquerda. E não há uma identificação de que tal partido é a favor de uma política externa e outro partido de outra”, explica.

Feliú cita dois termos que poderiam ser usados para definir a escolha da postura por parte do poder legislativo, isto é, do Congresso Nacional: a abdicação, quando ele abriria mão, “desistiria” de decidir sobre o tema; e a delegação, quando transfere e confia ao presidente a decisão sobre os assuntos. “A tese parte de uma motivação de que há uma percepção de que o legislativo abdica de suas prerrogativas de política externa no Brasil, e sua principal prerrogativa seria aprovar ou rejeitar os tratados internacionais anunciados pelo presidente”, explica. Porém, chega à conclusão de que o legislativo não faz essa abdicação — mas sim uma delegação, o que faz com que seja agente fiscalizador da política externa do presidente. E no período analisado entre 2008 e 2015, houve grande sucesso do poder executivo nos assuntos de política externa.

Para exemplificar as duas posturas, ele cita um caso: a abertura econômica do país durante o governo de Fernando Collor (1990 – 1992). Nessa época, o Congresso ainda seria defensor de um viés mais protecionista — porém, abdicou desse viés em prol da condução da política externa por Collor.  “É de se imaginar que, se o Congresso tivesse participação ativa, ele teria diminuído o grau de abertura que o Collor entregou. Só que não o fez. Portanto, seria um caso de abdicação pela preferência do presidente ser muito distante da do Congresso”. Para diferenciar, diz: ”Quando há uma delegação, você dá ao presidente a autonomia e a capacidade para executar a política externa. Isso se reflete em elevados índices de aprovação e pouquíssimos vetos”.

Essa delegação, ainda, não representaria falta de interesse e de fala do Congresso: ”Isso não significa que as preferências legislativas não estão sendo consideradas. Na verdade, o presidente antecipa essas preferências e, ao negociar acordos, ele já leva as preferências legislativas”, explica o pesquisador.

Tabela de aprovação dos decretos legislativos de política externa na Câmara dos Deputados, apresentada por Feliú na pesquisa
Tabela de aprovação dos decretos legislativos de política externa na Câmara dos Deputados, apresentada por Feliú na pesquisa

Feliú elabora tabelas ao longo de sua pesquisa para demonstrar o quanto houve apoio à política externa no período analisado entre 2008 e 2015, comprovando ainda mais o apoio legislativo ao presidente nos assuntos internacionais. Nesse período, o número de rejeições é zero, e o índice de aprovação é de 95%. “É muito rara a rejeição”, pontua o pesquisador. “No momento em que há uma distância de preferência, aí pode-se ter certeza se o Congresso abdica ou delega. Se o presidente propuser algo muito distante da preferência da média dos legisladores, e o Congresso não vetar, você teria um caso de abdicação — mas nós não temos um caso do tipo nesse período recente”, acrescenta.

Relacionando com o já mencionado sucesso do presidente entre o legislativo em assunto de política externa, conclui: “A elevada atividade e legislativa do presidente pode se dever a alguns fatores: um eles são a antecipação, mas outro é justamente esse caráter suprapartidário da política externa”. Ele ressalta que há casos pontuais de discordância, como o envio de tropas ao Haiti em 2004 e a entrada da Venezuela no Mercosul, mas que, a longo prazo e numa série histórica, não há essa oposição político partidária.  

O caso de Dilma

Em um período posterior ao analisado, isto é, de 2015 para frente, o pesquisador menciona que o apoio à política externa da então presidente Dilma caiu vertiginosamente. Porém, essa queda não seria resultado de uma repentina divergência ideológica dos legisladores às suas medidas em política externa — mas sim um reflexo da crise que já se iniciava entre Dilma e o Congresso, e que resultava em queda de apoio em todos os assuntos, não só em política externa. “Se o Congresso votava com Lula e Dilma antes em mais de 90%, em 2015 cai para cerca de 40%”, aponta. “É uma fidelidade baixíssima. Ainda não tinha vindo o impeachment, mas é o começo da ruptura e do aumento das tensões entre executivo e legislativo. Se você perde apoio do Congresso, perde para tudo: inclusive para política externa”.

 

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