Descoberta de causa genética da puberdade precoce feita pela USP ganha prêmios e reconhecimento internacional

Pesquisadora e orientadora são prestigiadas no Grande Prêmio Capes de Teses 2017. Foto: Arquivo pessoal

A pesquisa feita por Delanie Bulcão de Macedo, atual professora da Universidade de Fortaleza, e sua orientadora Ana Claudia Latronico, professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), recebeu a menção honrosa do prêmio Capes pela descoberta de um novo gene responsável por ⅓ dos casos de puberdade precoce central familiar. Segundo o estudo realizado, uma mutação no gene MKRN3, localizado no cromossomo 15, pode ser responsável pelo aparecimento da maturação sexual prematura em indivíduos de uma mesma família.

A premiação feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) — agência ligada ao Ministério da Educação — é conhecida por homenagear os melhores trabalhos de doutorado do Brasil e teve sua última cerimônia realizada em dezembro de 2017. A tese descrita como “Mutações inativadoras no gene MKRN3 são causa de puberdade precoce central familial” ganhou a menção honrosa na área da Medicina. Para Delanie, o reconhecimento foi muito gratificante. “Fiquei muito contente. Esse reconhecimento nos deixou muito felizes porque sabemos que existem várias pesquisas inovadoras realizadas na USP e em outras universidades importantes no país”, comenta.

Macedo também recebeu a menção honrosa do Prêmio Tese Destaque USP na área de Ciências da Saúde pela tese de doutorado, além de ter tido a oportunidade de realizar apresentações orais em congressos internacionais. Sua orientadora também tem sido bastante requisitada em tais eventos devido a linha de pesquisa desenvolvida na USP — sem contar as publicações em meios mundialmente reconhecidos, como The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism (JCEM), New England Journal of Medicine e The Lancet.

Delanie Macedo recebe menção honrosa por tese defendida em abril de 2016. Foto: Arquivo pessoal

De pai para filhos

A puberdade precoce é caracterizada pelo aparecimento de caracteres sexuais secundários e pelo surgimento da capacidade reprodutiva, além da aceleração do crescimento. Nas meninas, a puberdade se manifesta fisicamente pelo desenvolvimento mamário e pela primeira menstruação, e é considerada precoce quando se inicia antes dos 8 anos de idade. Já nos meninos, a maturação sexual se percebe por meio do aumento do volume testicular e é considerada prematura se ocorre antes dos 9 anos.

A pesquisa, tese de doutorado defendida em 2016 e realizada em parceria com a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, estudou a puberdade precoce em 15 famílias, analisando um total de 40 pessoas e descobriu que, em 33% dos casos, a patologia tinha como causa uma mutação inativadora no gene MKRN3. A descoberta foi feita após o sequenciamento do exoma, fração do genoma que codifica os genes.

Como complementação da pesquisa, Delanie também analisou mais crianças com a patologia no Brasil. “No Laboratório da USP, também estudamos 213 pacientes que não tinham histórico na família. Nesses casos ditos esporádicos, nós identificamos mutações no MKRN3 em aproximadamente 5% deles”, diz Delanie. Posteriormente, em alguns desses ainda houve a descoberta de familiares que, na realidade, tinham tido puberdade precoce — o que aponta para o desconhecimento do histórico familiar e a presença constante da causa genética da doença.

Ainda não se conhece exatamente como tal mutação interage com os reguladores da puberdade, como o hormônio GnRH e outros neurotransmissores, mas sabe-se que a mutação funciona como um fator que inativa a função do gene ligada a puberdade. “Durante a puberdade precoce, a secreção de GnRH é antecipada. Então, provavelmente, o MKRN3 é um fator inibitório da secreção desse hormônio. Se o gene está mutado, ele perde a capacidade de inibir o GnRH e, por isso, ele é secretado antes”, explica Ana Claudia.

Além disso, em sua pesquisa, Delanie e Latronico descobriram tratar-se de uma mutação de herança paterna. Sendo assim, o gene mutado está presente no genótipo do pai das crianças afetadas, mesmo que ele não tenha apresentado a maturação sexual precoce durante a infância. “A hereditariedade da puberdade precoce é um pouco complexa. Ela não é vertical, de pai para filho. Ela pode estar eventualmente em uma tia ou avó paterna, cujas histórias nem sempre são disponibilizadas pela mãe do paciente”, diz Ana Cláudia. Isso se deve ao fenômeno conhecido como “imprinting”, que silencia o alelo materno. Portanto, mesmo que uma criança seja filha de uma mãe que teve puberdade precoce, ela apenas terá a doença caso o pai possua o gene mutado.

Árvore genealógica representando uma família com casos de puberdade precoce. Pode se observar o pai, quadrado com ponto preto, carreador do gene mutado, gerando filhas portadoras da patologia pediátrica, representadas pelo círculo preto. Foto: Reprodução

Descoberta muda o diagnóstico da doença

O estudo genético da puberdade precoce é especialmente importante porque muda o fluxo de diagnóstico da patologia pediátrica. Quando a doença era apenas relacionada a problemas no Sistema Nervoso Central, a única saída para o diagnóstico era solicitar uma ressonância magnética. No entanto, trata-se de um exame caro e difícil de ser realizado em crianças — principalmente as mais novas, que precisam ser sedadas.

Com a descoberta, o estudo genético passa a ser prioritário quando não há outros sintomas ligados a doenças neurológicas, como cefaléia, alteração de visão e convulsão. “Se o caso é familial, talvez a genética deva ser o exame prioritário em relação ao sistema nervoso central”, explica Ana Claudia. E completa: “A ressonância só mostra alteração em 10% dos casos. Ela continua sendo importante, mas se há puberdade precoce, sem sintoma neurológico e com história na família, se recomenda partir primeiro para o estudo genético, que é indolor e mais barato, e depois para a ressonância, se o estudo der negativo”.

Outras possíveis causas da puberdade precoce

Além da mutação no gene MKRN3, existem outros fatores que podem levar uma criança a ter a patologia. A mutação de outros genes, que também foram e estão sendo estudados pelo grupo de pesquisa da professora Ana Claudia Latronico, também é considerada a causa de casos hereditários da doença. O gene DLK1, por exemplo, apresenta o mesmo padrão de transmissão paterna da doença, estudado por Delanie e Ana Claudia.

Além disso, como citado anteriormente, há ainda os casos isolados dentro de famílias que podem não ter causa genética. Nessas situações, e principalmente naquelas onde há sintomas neurológicos, a patologia é associada a alterações no Sistema Nervoso Central. Como, por exemplo, tumores, hamartomas hipotalâmicos (malformação não neoplásica benigna rara) e infecções.

Segundo o Protocolo Clínico sobre Puberdade Precoce Central disponibilizado pelo Ministério da Saúde, em meninas, a maior parte dos casos é idiopática, ou seja, não há certeza sobre a causa do problema — o que pode apontar para a mutação genética. Já em meninos, a maior parte dos casos está relacionado a tais anormalidades neurológicas.

 

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