Falta de experiência histórica e monitoramento adequado prejudicaram a execução do programa Inovar-Auto

O projeto, que tinha como objetivo o aumento da competitividade e da qualidade dos veículos produzidos no país, teve problemas de articulação e coordenação durante sua vigência, o que resultou em inúmeras falhas e, até mesmo, sua condenação pela Organização Mundial do Comércio

Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Há mais de cinco anos, o governo brasileiro deu início ao Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto). O projeto tinha como principais objetivos a criação de condições para o aumento da competitividade no setor automobilístico, a produção de veículos mais seguros e econômicos e, também, o investimento em tecnologia industrial, pesquisa e desenvolvimento. Com o fim de sua vigência programado para dezembro deste ano, começam a surgir balanços e estudos sobre as metas alcançadas e não alcançadas.

Nesse contexto, Rafael Vidal Cavalcante, mestrando da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP produziu a dissertação Política Industrial no Brasil a partir da perspectiva das capacidades estatais: o programa Inovar-Auto, na qual ele estuda as condições que o Estado brasileiro possui para promover uma política industrial, tendo como objeto de análise e ponto de referência o programa Inovar-Auto.

“Eu sentia falta na literatura econômica de informações sobre o papel do estado nesse tipo de política”, conta o pesquisador. ”A ideia era pegar um caso interessante pro contexto brasileiro e pensar como essa experiência poderia ajudar pensar em políticas futuras de desenvolvimento, tendo em vista as contribuições desse caso”, completa.

Para produzir o estudo, Rafael se baseou na revisão literária da política industrial e das capacidades estatais, para estudar como o estado formula e implementa políticas públicas. “Usei duas vertententes teóricas: o nacionalismo histórico, que defende que o estado precisa de acúmulos históricos e instituições fortes de longo prazo para implementar e formular políticas, e outra vertente, mais situacional, que leva em consideração o papel político da gestão de governo em cada momento histórico”, comenta o autor. “Utilizei essas duas vertentes porque a política industrial possui uma descontinuidade histórica e, na minha opinião, ela ainda é dependente da orientação político-ideológica de quem está no poder. Ela [a ideologia] é fundamental para que uma política seja levada adiante”, aponta. Além disso, Rafael também realizou entrevistas com profissionais que atuaram no projeto direta e indiretamente, além de outros indivíduos que entendem da área.

Através de sua pesquisa, Vidal conseguiu observar que o estado possui um certa debilidade em conduzir projeto do gênero do programa Inovar-Auto.“Houve uma falta de articulação e coordenação”, comenta. “Isso tem a ver com algo mais amplo, com uma aceitação social da política”, completa. O cenário econômico de crise da época, que acarretou na redução do poderio fiscal do estado, também é apontado pelo autor como um dos fatores que comprometeram a execução e continuidade do projeto.

Segundo o autor, a maior contribuição que o projeto poderia oferecer para as instituições públicas seria o aprimoramento da monitoração desse tipo de política pelo estado. Entretanto, devido a inúmeras falhas, isso não aconteceu: “O Inovar-Auto foi feito sem o estado ter se preparado para sistemas de monitoramento de condução do projeto como, por exemplo, a verificação se empresas estão cumprindo as regras”, aponta o pesquisador. “Além disso, como há uma falta de acúmulo histórico, tudo foi feito e aprendido ao longo da implementação do caso. Não se chegou a um sistema aprimorado de monitoramento”, completa. O autor também aponta que faltaram espaços institucionais oficiais de acompanhamento e discussão do projeto, para que houvesse a comunicação e interação necessária entre os ministérios e entidades envolvidas na execução do programa.

Outro ponto negativo foi que, em agosto deste ano, a Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou o projeto pelas suas características de cunho um tanto protecionista.

Apesar das falhas, Rafael Vidal avalia o projeto como uma experiência válida. “Ele melhorou a qualidade da produção brasileira, principalmente na questão energética e na segurança automobilística, mesmo que essa melhoria tenha sido um tanto aquém do esperado”, destaca. “Ele também conteve a venda de importados, que estava superando e prejudicando a venda de veículos nacionais.”

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