Pesquisa identifica perfil genético de atletas brasileiros

Pesquisador analisou marcadores genéticos relacionados ao desempenho esportivo de diversas modalidades. Foto: Reprodução

A pesquisa na área da genética, de forma geral, é recente e vem crescendo principalmente nos últimos 10 a 15 anos. Nos esportes, uma das linhas de pesquisa desenvolvidas é o estudo dos marcadores genéticos associados ao desempenho nas diversas modalidades. Esse foi o foco de João Paulo Guilherme em seu doutorado pela Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, ao investigar o perfil poligênico, ou seja, determinado por diversos genes, dos atletas brasileiros.

Questionado pela motivação do estudo, ele explica que as informações consistentes na literatura a respeito do tema se concentram em análises sobre atletas europeus e asiáticos, de forma geral. Tais pesquisas identificaram que certas mutações genéticas, chamadas de polimorfismos, são mais comuns em determinados grupos de atletas. “Isso leva à especulação de que a frequência desses polimorfismos é maior nesses atletas porque essas mutações permitem uma melhor resposta ao treinamento e, consequentemente, destaque esportivo”.

Guilherme esclarece que nem todas as pessoas respondem de forma igual ao mesmo treinamento. Certos indivíduos podem ter desempenhos mais notórios, nos quais a genética tem alguma importância, apesar do desempenho esportivo depender de diversos fatores. “Os estudos com europeus apontaram alguns genes e agora a intenção é verificar qual o impacto dessa presença para, algum dia, ser possível dizer qual é a genética favorável para um atleta. As pesquisas concluíram que os atletas possuem um perfil genético diferenciado com relação à população em geral. É isso que fizemos com brasileiros: avaliar o conjunto de genes que poderiam estar no atleta brasileiro e compará-lo com o presente na população e na literatura já produzida”.

Para esse objetivo, o pesquisador separou os atletas em conjuntos pelo tipo de metabolismo predominante nas provas ou durantes os treinos. O grupo com metabolismo aeróbio foi chamado de endurance (resistência) e classe das modalidades com predominância do metabolismo anaeróbio foi denominada força/potência. Guilherme esclarece que um terceiro conjunto foi criado e chamado de lutas e esportivos coletivos, por haver modalidades que possuíam ambos metabolismos energéticos.

Além desses, estabeleci o grupo intermediário, chamado de lutas e esportes coletivo. Esse grupo surgiu porque apresentavam os dois tipos de metabolismos nas suas atividades, o que dificultava a inclusão deles em um dos dois grupos anteriores. Ainda assim, ele esclarece que muitos atletas dessas modalidades eram deslocados para o grupo de força/potência devido aos seus momentos decisivos empregarem o metabolismo anaeróbio. “O intuito era sempre ter o maior número de indivíduos por grupo e conseguir fazer a comparação caso-controle [o grupo controle no estudo era o de não-atletas]”.

Ao todo, foram analisados 967 não-atletas, 93 atletas de esportes coletivos, 165 atletas de lutas, 342 de endurance e 308 de força e potência. De todos os participantes foram extraídos o DNA genômicos (código genético encontrado em todas células do corpo de cada pessoa) e analisados 34 polimorfismos (mutações genéticas).

Guilherme explica que as mutações genéticas são consideradas polimorfismos de acordo com sua frequência. “Todos possuímos os mesmos genes. Mas a estrutura, chamada de nucleotídeos, que compõem a codificação do que será produzido no organismo, podem conter modificações. Essas mudanças não produziram um outro gene, mas alteram a sua forma de expressão, seu efeito no organismo. Se essa mutação tem uma frequência maior que 1%, em alguns casos, e alguns teóricos falam de 10%, eles são chamados de polimorfismos, variações estruturais comuns na população.”

Na comparação dos polimorfismos de atletas brasileiros em relação aos presentes em europeus, o pesquisador explica que encontrou associações semelhantes e específicas. Ao encontrar a mesma ocorrência nas duas populações (brasileira e europeia), deu-se o nome de “associação semelhante”. Mas houve casos em que os dados de brasileiros foram “em um ou dois casos por vezes opostas a encontrada na população europeia. Ou isso é uma associação específica da população brasileira ou o nosso estudo foi um pouco mais forte e identificou uma associação que os europeus não conseguiram ver”, diz. Contudo, Guilherme pondera que os achados em genética necessitam de cautela, prescindindo avaliações e comparações com mais de uma população.

Como conclusões, Guilherme aponta que alguns polimorfismos foram encontrados em brasileiros tanto quanto nos estudos com europeus. “Se ele é visto no mesmo grau de associação em diferentes populações, mais próximo aquele polimorfismo está de um impacto biológico relevante para os atletas de alto rendimento”, explica. Além disso, um novo conjunto de polimorfismos, que ainda não havia sido estudado, apresentaram associações interessantes. “Propusemos esse conjunto à literatura e agora precisam ser replicados em outras populações”.

Em um terceiro momento, o estudo ainda construiu um escore, com base nos genótipos (conjunto de genes) encontrados, para calcular e diferenciar os grupos de atletas. No entanto, Guilherme afirma que o cálculo ainda é restrito devido ao número reduzido de polimorfismos analisados. “Esse escore, com um número limitado de polimorfismos, não tem uma força suficiente para determinar se o indivíduo se ele vai ser campeão terá ou extremo destaque. Não é possível construir um escore que possa ser usado como ferramenta de detecção de talentos. É muito precoce usar uma afirmação dessas ainda.”

Questionado sobre a capacidade atual da ciência em identificar o peso da genética na performance esportiva, o pesquisador explica que estudos de análise de frequência de polimorfismos e associação caso-controle (como é a tese de Guilherme) não devem chegar a tal descoberta. “A grande direção dos estudos com genética é definir esse peso. Mas para isso, além dos dados de genótipos, é preciso dados fisiológicos e acompanhamentos dos atletas por um tempo. Se esse trabalho interdisciplinar for feito, será possível determinar, mesmo sem 100% de precisão, o impacto do perfil poligênico do atleta.”

Além disso, outros fatores devem ser considerados: “Não necessariamente o indivíduo tem o polimorfismo, mas tem um fator psicológico que pode sobressair aquela falta”, afirma. “Os dados que temos hoje em dia na literatura mostram que isso é possível.”

Portanto, o pesquisador salienta a cautela necessária nessa área e esclarece que os próximos passos dos estudos, através da interdisciplinaridade podem trazer conclusões mais consolidadas no futuro. Ainda que as aplicações práticas não existam nesse primeiro momento, Guilherme aponta que é a associação genética pode ser trabalhada em outros ramos da pesquisa, como prescrição de exercício físico para doenças. “Se unirmos esses fatores, é possível melhores resultados lá na frente? Mas ainda estamos no começo desses estudos. É um pontapé inicial para que isso se torne um conceito prático.”

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