Grupo musical é marcado pelas raízes populares da cultura brasileira

Pesquisa retrata trajetória do Quinteto Armorial, conjunto formado a partir de ideias de Ariano Suassuna

Quinteto Armorial - Foto: Reprodução

Criado na década de 1970 por Ariano Suassuna, o Movimento Armorial ganhou representações através da literatura, teatro, cinema e gravura, reservando à música um de seus maiores legados. Nesse contexto, nasce o Quinteto Armorial, grupo de música instrumental que enriqueceu a cultura brasileira.

O termo “armorial” é originário da Idade Média e denomina os livros em que se registravam os brasões da nobreza. Dramaturgo, romancista e professor, Ariano Suassuna transforma a palavra em adjetivo e a utiliza para caracterizar determinadas manifestações artísticas nordestinas. O professor reuniu estudantes de diferentes saberes artísticos em torno do projeto, enquanto ministrava aulas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“Ariano chamou de armorial porque cada manifestação seria como um emblema de um brasão. Ele inverte o sentido de nobreza e a busca na cultura popular”, explica o historiador Francisco Andrade, responsável pela dissertação de mestrado sobre o Quinteto.

Em sua pesquisa, realizada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Andrade traça a trajetória do Quinteto, apresentando a sua importância para a cultura brasileira. Ele havia notado que o material sobre o grupo era muito fragmentado e, quando citado em pesquisas, não ocupava o foco central, sendo apenas um dos tópicos sobre o Movimento Armorial.

O historiador elegeu três pilares para compor a dissertação: o Timbre, a Heráldica e a Música. Os dois primeiros também possuem origem medieval. As gravuras eram “timbradas” nos escudos de cavaleiros e, ainda na Idade Média, o timbre passou a identificar as melodias populares de anônimos. Já a heráldica se refere às artes dos brasões.

O primeiro membro do Quinteto é Antônio Madureira, compositor e responsável pela viola sertaneja. Também fazem parte do grupo Antonio Nóbrega, violinista e rabequeiro, Egildo Vieira do Nascimento, na flauta transversal e confecção de pífanos, Edilson Cabral, que assume o violão e Fernando Torres Barbosa com o marimbau, instrumento com um timbre singular, criado a partir do berimbau de lata.

Essa formação se manteve nos dois primeiros discos, Do Romance ao Galope Nordestino (Discos Marcus Pereira, 1974) e Aralume (Discos Marcus Pereira, 1976). Para o historiador, os LPs (Long Plays) podem ser considerados “irmãos”, diante das semelhanças em suas sonoridades. Em Quinteto Armorial (Discos Marcus Pereira, 1978) e Sete Flechas (Discos Marcus Pereira, 1980), Antônio Farias, o Pintassilgo, substitui Egildo Vieira. Os músicos, então, passam a tocar novos instrumentos, renovando os timbres em relação aos discos anteriores.

Erudito e popular

Ainda em torno do timbre, Andrade aborda a resistência de músicos ligados à tradição da música de câmara europeia com as concepções de Ariano Suassuna. O Quinteto surge após a recusa da Orquestra Armorial em incluir instrumentos como a viola sertaneja, a rabeca e o pífano, presentes na cultura popular. “Essa tensão entre o erudito e o popular basicamente é o que vai nortear toda a trajetória do grupo”, afirma.

O pesquisador também faz uma consideração política sobre os timbres, pensando em como regem a nossa sociedade.“Faço uma reflexão do timbre dentro de um contexto histórico, dentro da ditadura militar (1964-1985), que também traz os seus timbres para legitimar seus projetos, aproveitando da música do Quinteto para isso”, explica.

Na parte intitulada Heráldica, o historiador mostra como o grupo captou as ideias de Ariano e as transformou em música. “A discografia, de uma certa forma, é um mosaico da música do Nordeste, como cada composição tem um emblema, é como se fosse um mosaico da própria região”.

Ao final da dissertação, o pesquisador traz em Música a visão da crítica sobre a produção do Quinteto. “Muitos críticos não assimilaram, mas também teve grande aceitação. Embora seja uma crítica que não se detém muito ao aspecto musicológico, porque, no Brasil, esse aspecto não é tão levado em consideração”. Ele problematiza a dicotomia erudito e popular e aponta que os termos passaram a ser usuais durante a República, apresentando um olhar histórico sobre a questão.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, Andrade realizou entrevistas com Antônio José Madureira, se tornando o primeiro a entrar em contato e a organizar o acervo do compositor. “Antônio Madureira, no meu modo de ver, foi a pessoa que soube transformar em música toda a concepção filosófica de Ariano”, pontua. Andrade também conversou com Antonio Nóbrega, Egildo Vieira e Antonio Farias.

Dedicando-se ao máximo ao trabalho, o historiador fez uma imersão na obra do conjunto através do seu próprio grupo, o Quinteto Aralume. Em novembro do ano passado, convidou Antônio Madureira para uma aula espetáculo, em que vivenciou a experiência de tocar as músicas do Quinteto Armorial, seguido dos comentários do músico sobre as suas composições.

O interesse de Andrade pela história do grupo musical surgiu após integrar um projeto para a comemoração dos 80 anos de Ariano Suassuna. Na ocasião, se apresentou com o grupo Pererê. Quando Ariano completou 82 anos, o grupo foi convidado a abrir uma aula espetáculo do professor. “Nós éramos, de certa maneira, o presente para ele e foi um momento muito forte. Foi quando tive a oportunidade de ver a aula dele presencialmente, aquilo me marcou muito”, revela.

Para o pesquisador, seu trabalho possibilita a reflexão sobre o Brasil nos dias de hoje. “Enquanto a gente puder encontrar elementos para refletir a nossa própria cultura, é o único meio para sabermos para onde estamos indo”. Ainda que o Quinteto Armorial tenha acompanhado o fim do Movimento em 1981, a estética do conjunto ressoou nas gerações posteriores. “O que eles fizeram aprofundou vários aspectos dentro do trabalho composicional. Uma música que dá para pensarmos geografia, história, literatura, e a própria música”, conclui o historiador.

 

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