Relação entre desigualdade de gênero e uso de bicicleta é investigada

Com foco na população feminina de São Paulo, estudo busca compreender por que as mulheres são minoria entre ciclistas

Foto modificada via Uol Notícias. Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress. Modificação: Marcella Affonso

Quando se fala, ao mesmo tempo, sobre questões de gênero e uso da bicicleta, é comum correlacionar a quantidade de mulheres que pedalam apenas à oferta existente de infraestrutura urbana voltada aos ciclistas; ou, ao contrário, avaliar se uma cidade é “ciclável” apenas pela quantidade de mulheres andando de bicicleta. Mas essa é uma análise simplista, já que considera a ausência de infraestrutura e, consequentemente, de segurança no trânsito, como os únicos fatores que implicam no não uso desse meio de transporte pela população feminina.

A constatação e o alerta são da cientista social Marina Kohler Harkot, que, a fim de desmontar esse senso comum, decidiu investigar por que as mulheres são minoria entre os ciclistas na cidade de São Paulo e como as desigualdades de gênero se traduzem nesse fenômeno. “Existem outras múltiplas variáveis que implicam no não uso das bicicletas por mulheres que não só essa de não se arriscar”, ressalta a pesquisadora.

Vale mencionar que, na Capital paulista, apenas cerca de 10% das pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte são mulheres, conforme observou a pesquisadora ao analisar os dados produzidos pelo Metrô, entre 1977 e 2007, na pesquisa Origem e Destino. O estudo é apenas um dentre outros levantamentos quantitativos utilizados pela pesquisadora para analisar os padrões de uso da bicicleta no município.

Outras variáveis

Iniciada em 2016, a pesquisa realizada por Harkot ainda está em andamento, mas algumas hipóteses sobre os motivos que levam o índice da população feminina entre ciclistas ser tão baixo já foram levantadas. Muitas delas, conforme explica a cientista social, giram em torno de como o papel social da mulher foi construído.

A pesquisadora lembra que as mulheres, quando na figura de esposa e mãe, ainda são responsáveis pela maior parte do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos, mesmo que também façam parte do mercado de trabalho.  De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2008 apenas 45,3% dos homens com dez anos ou mais afirmaram realizar afazeres domésticos, ao passo que a mesma afirmação foi feita por 86,3% das mulheres. Nesse sentido, a cientista social aponta que, enquanto a maioria dos homens realizam trajetos lineares — da casa para o trabalho e vice-versa —, a maioria das mulheres acabam por fazer inúmeras paradas entre esses dois pontos, em idas ao supermercado ou à creche, por exemplo.“Tudo isso torna sua rotina muito mais difícil, muito mais complexa”, observa.

A esse respeito, apesar de ver a bicicleta como sendo um meio de locomoção mais prático e rápido, Harkot explica que o fato do trânsito ser hostil e violento acaba por repelir seu uso pelas mulheres de uma forma muito mais intensa do que ocorre com os homens.  “A mulher é socializada para ter medo, para ter barreiras, para não se arriscar”, pontua.

Nova etapa

Atualmente, a pesquisa encontra-se em uma nova etapa de análise, agora qualitativa, baseada em dados primários obtidos através de entrevistas. De acordo com Harkot, entre 30 a 35 pessoas estão sendo entrevistadas. Uma das questões a serem verificadas nessa nova fase é de que maneira a relação que a mulher possui com seu próprio corpo — como o modo que lida com a questão do suor ou da cobrança social que sofre envolvendo sua maneira de se vestir — pode influenciar na decisão de utilizar ou não a bicicleta como meio de transporte na capital paulista.

A pesquisa, que vem sendo desenvolvido por Harkot desde 2016, dará origem à dissertação de mestrado A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo, prevista para ser defendida no início do próximo ano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, sob orientação da professora Paula Santoro.

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