A boa filha a casa torna

Cinco décadas depois da criação da Agência Universitária de Notícias, Cremilda Medina volta ao curso de graduação em Jornalismo para falar de sua atividade frente ao laboratório

Professora Cremilda Medina destaca pioneirismo frente à AUN: “Tudo que temos hoje de mídia digital ou convencional, surgiu desse projeto pioneiro e experimental que foi a Agência Universitária de Notícias”. Foto: Cecília Bastos (USP Imagens)

Por Fernada Giacomassi, Giuliana Viggiano, Nara Siqueira, Natália Belizario e Vinícius Sayão

Como parte dos eventos em comemoração rumo aos 50 anos da Agência Universitária de Notícias (AUN), o Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) recebeu a professora Cremilda Medina para uma palestra[1] aos alunos do quarto período de jornalismo.

Cremilda foi a primeira pessoa a receber o título de mestra em Ciências da Comunicação na América Latina, que, posteriormente, foi publicado em livro sob o título de Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial, além de ser uma das pioneiras a participar da execução da AUN, projeto criado por José Freitas Nobres e que a ela foi confiado implementar. Graduada em Jornalismo e em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, passou por grandes editoras do País e escreveu mais de 30 livros. Hoje, faz parte de dois programas de pós-graduação da Universidade de São Paulo: PPGCOM (Programa de Pós-Graduação Ciências da Comunicação) e Prolam (Programa de Pós Graduação Integração da América Latina).

No início da década de 1970, veio a São Paulo junto aos dois filhos e ao marido, Sinval Medina. A convite do professor José Marques de Melo, entrou para a equipe de docentes da Escola de Comunicação e Artes. O cônjuge, por sua vez, pela experiência acumulada na Editora Globo, foi convidado a integrar a comissão de criação do curso de Editoração na mesma escola.

E, assim, proveniente de um movimento iniciado no sul do país, o qual dizia que a notícia tinha que ser produzida localmente, e não reproduzida de agências internacionais, cria-se a Agência Universitária de Notícias em 1971. O intuito, segundo Cremilda, era “sanar as demandas da sociedade local a respeito da pesquisa que se gerava na USP, seja em biológicas, exatas ou humanas”. À época, recorda-se ela, o boletim de notícias era produzido em máquinas de escrever, reproduzido em mimeógrafos, distribuído pela Kombi da ECA pelos jornais e suas sucursais, e remetido pelos Correios, semanalmente, ao interior do Estado de São Paulo.

Boletins noticiosos: impressos e distribuídos pela Kombi da ECA pelos jornais e suas sucursais, e remetido pelos Correios, semanalmente, ao interior do Estado de São Paulo. Fonte: Arquivo AUN.

Durante sua explanação, Cremilda lembrou-se da experiência mais marcante pela qual passou quando ainda estava frente à AUN: “Cobrimos uma importante pesquisa da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) de um arquiteto que estudou criticamente o Plano Nacional de Habitação criado na Era Militar”. Divulgada por meio do boletim da Agência, depois de chegar aos jornais, a notícia causou grande rebuliço e a professora foi chamada ao “diretor repressor dessa unidade [a qual ficava no prédio central naquela época] que era o braço da ditadura”, conta. “Ele me apresentou um telegrama do presidente Geisel e, nesse telegrama, dizia que a Agência de Notícias era atentatória à segurança nacional, porque todos os jornais importantes do Brasil, como o Diário de Notícias, a Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, tinham publicado sobre a tese crítica que estudou o PNH”, afirma.

Outra questão abordada por Medina foi a técnica usada na construção das notícias no laboratório estudantil. O intuito não era seguir a pirâmide invertida, tampouco estabelecer o lead como obrigatório ou utilizar-se dos padrões usados desde o século 19. Pelo contrário, procurou-se incentivar os alunos a aprofundarem suas matérias, dando a elas o fundamento de reportagem.

Foram definidos, então, três tópicos básicos para o fazer jornalístico no âmbito da experimentação laboratorial: encontrar o protagonista social de uma pauta, o chamado representante de um contexto, enraizar as informações coletadas histórica e culturalmente, e apresentar vozes que dessem um diagnóstico e prognóstico sobre determinada situação. E, sobre essa última, Cremilda é enfática: “Isso não é aquela brincadeira de lesa-consumidor, de simplesmente procurar um a favor e outro contra, um especialista daqui e outro dali. Não, as questões que estamos levantando em pauta são sempre complexas e multivozes”.

A professora atribui um grande papel à AUN, tendo em vista que foi ela a responsável por dar o pontapé inicial ao que hoje são as outras atividades laboratoriais de jornalismo na Universidade de São Paulo, como o Notícias do Jardim São Remo, o Jornal do Campus e o suplemento Claro!: “Tudo que temos hoje de mídia digital ou convencional, surgiu desse projeto pioneiro e experimental que foi a Agência Universitária de Notícias”.

Outra função importantíssima, segundo Cremilda, foi a de desviar o eixo principal de produção de notícias dos países do Hemisfério Norte, especialmente Estados Unidos e Europa Ocidental. “É por isso que sou apaixonada por esse laboratório, porque ele tem um significado político-internacional. Também a África e a Ásia, mas, principalmente, a América Latina, que vocalizou o direito ao chamado acesso à informação”, conclui.

[1] Palestra proferida no dia 13 de setembro de 2016. Todas as palestras deste ciclo comemorativo foram sediadas no auditório Freitas Nobre, do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE/ECA/USP).

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