As várias facetas da intervenção estética

Pesquisadores apontam as diversas motivações e problemas envolvidos em procedimentos deste tipo

O nascimento de Vênus, deusa greco-romana da beleza, por Sandro Botticelli. Fonte: Wikipedia Commons

Por André Siqueira Cardoso, Daniel Miyazato, Natan Novelli Tu, Pedro Graminha e Rafael Popp

O Brasil é o segundo país que mais faz cirurgias plásticas no mundo. Segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), em pesquisa mais atual sobre o tema, realizada em 2015, foram realizados 1,2 milhões de cirurgias plásticas no país. O primeiro colocado do ranking é os Estados Unidos, onde ocorreram 1,4 milhões de intervenções cirúrgicas. Para se ter uma ideia da representatividade brasileira neste setor, nosso mercado representa 12,7% do total mundial. Mais de 18 milhões de cirurgias foram realizadas em 2015 em todo o mundo.

O mercado feminino é bastante expressivo nesse universo. A pesquisa da ISAPS revelou que 85,6% dos procedimentos são realizados por mulheres. A intervenção mais comum é a rinoplastia, cirurgia que remodela e diminui o tamanho do nariz. O ranking dos cinco tipos mais frequentes é completado, em ordem decrescente, por abdominoplastia, blefaroplastia (cirurgia de correção palpebral), lipoaspiração e colocação de próteses nas mamas.

‘’Eu fiz minha cirurgia no primeiro ano de faculdade. Meu nariz nem era grande, e tinha só um ossinho no meio dele, chamado giba óssea. Me incomodava esteticamente. Eu não gostava de tirar fotos, e aí eu decidi fazer’’, diz Giovanna Wolf, estudante de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da USP.

O custo das cirurgias, entretanto, é bastante elevado. Por conta disso, é coerente dizer que o mercado é bastante restrito à população das classes média e média-alta. Sobre a questão financeira, Giovanna relatou que só recorreu ao processo porque seu pai conhecia um cirurgião. ‘’O que foi muito importante para fazer essa cirurgia é que meu pai, que é médico, tinha um amigo cirurgião e, por isso, não paguei nada’’, conta a estudante.

Giovanna realizou a rinoplastia, a mais comum das cirurgias. Segundo dados do Portal R7, este processo custa entre R$ 4.750 e R$ 7.000. A lipoaspiração tem seu custo estimado entre R$ 3.650 a R$ 6.950, dependendo do tipo de corte; a colocação de próteses de silicone nos seios e nos glúteos custam, respectivamente, R$ 5.000 e R$ 7.000.

Sobre o processo em si, ela destaca o quão invasivo considera uma cirurgia. ‘’É muito invasivo. O cirurgião quebra seu osso, você fica dopada, eles entram no seu nariz. Não tem como não ser invasivo’’, conta.

O papel da mídia

Um importante aspecto relacionado à insatisfação estética e a consequente procura por subterfúgios clínicos, como as cirurgias plásticas, é a imagem corporal. De acordo com  a tese de Maria Fernanda Laus, doutora em psicobiologia pela USP – Ribeirão Preto, a imagem corporal se refere às maneiras como o indivíduo percebe seu próprio corpo, em seu tamanho e forma, incluindo sentimentos, pensamentos e comportamentos relativos à essa aparência. Assim, embora cada pessoa reaja à sua maneira, é inegável verificar a influência imposta pelo coletivo.

Nesse sentido, a mídia tem um grande poder de interferência. “A imagem corporal começa a ser formada ainda na infância, mas se desenvolve ao longo de toda a vida, sofrendo influências da família, dos amigos e da mídia”, explica Maria Fernanda. “A mídia, em particular, cria e perpetua um padrão de beleza e apresenta mensagens sobre como características positivas estão associadas ao ideal sociocultural de atratividade, como poder, sucesso e beleza, levando as pessoas a crer que, ao conseguirem este ideal, elas terão alcançado o sucesso não só na profissão, mas também nos relacionamentos sociais e amorosos.”

Segundo ela, comparar a própria aparência com a de outros indivíduos considerados mais atraentes é um processo muito comum. Porém, como a mídia veicula imagens e padrões de belezas praticamente inatingíveis, a chance de que ocorra uma insatisfação com o próprio corpo é enorme. Esse processo chama-se internalização. Nesse cenário, a percepção corporal pelo próprio indivíduo, em relação a seu tamanho, forma e demais características físicas, fica alterada.

Durante sua pesquisa, ela descobriu que mais de 70% das pessoas não são capazes de estimar corretamente o tamanho de seus corpos. “De maneira geral, as mulheres tendem a superestimar seu tamanho, ou seja, percebem-se maiores do que de fato são, enquanto os homens são mais divididos entre aqueles que se percebem maiores e os que se percebem menores”, explica. Dessa forma, é possível notar que os distúrbios da imagem corporal são muito mais comuns do que se imagina, e têm sido observados também em indivíduos com algum transtorno alimentar ou que fazem parte de populações com maior risco de desenvolvê-los”.

As consequências desse processo podem levar a inúmeras circunstâncias,  como evitar situações sociais em que os corpos fiquem expostos, ou desenvolver comportamentos como indução de vômitos. “Todos esses comportamentos são considerados preocupantes, uma vez que se alimentam de uma imagem negativa de si mesmo”, conta. E é nesse ponto que entram os procedimentos cirúrgicos. No entanto, de acordo com Ana Beatriz Sante, mestranda de psicologia pela USP – Ribeirão Preto, eles não devem ser demonizados. Estudos anteriores indicavam sinais de psicopatologia, como o narcisismo e a depressão, e em casos mais extremos, de doença: “A dismorfia corporal, em que a pessoa nunca estaria satisfeita, sempre procurando fazer procedimentos estéticos. [Mas ela] tem um índice de apenas 7% dentre as pessoas que buscam [procedimentos cirúrgicos] no mundo. Então, a maioria está dentro da curva normal”. Da época desses estudos, nos anos 50, aos dias de hoje, a procura aumentou exponencialmente – casais já estão fazendo cirurgias juntos –, e a cada dia mais o estigma de distúrbio vem sendo deixado de lado.

Em sua dissertação de mestrado, Auto-imagem e características de personalidade na busca de cirurgia plástica estética, ela faz um estudo comparado entre mulheres de mesma faixa etária, socioeconômica e educacional que queriam realizar alguma cirurgia estética e outras que não tinham interesse. De imediato, ela constatou que, numa escala de satisfação de aparência, as que desejavam uma alteração mostraram resultados inferiores que as não queriam. Além disso, num paralelo entre confiança e atitude defensiva, o segundo acabava se preponderando, o que significou uma maior tendência a hesitar em relações interpessoais, a sentir a vida de maneira mais hostil e a conviver incomodada, como se não fizesse parte desse mundo: “Eram indivíduos defensivos, desconfiados, retraídos e que possuem uma opinião inicialmente negativa do valor do homem em geral”.

Por fim, percebeu-se também que elas eram mais sensíveis às situações vivenciadas, como se sentissem mais fragilizadas para enfrentar as coisas que vêm de fora. “Talvez para diminuir essa diferença, elas procuram realizar uma mudança no corpo para se encaixar nesse padrão. Não é que a cirurgia plástica traz a felicidade, mas ela passa a se ver mais satisfeita e autoconfiante”. Ainda, ela comenta que vários estudos apontam que a beleza é de fato valorizada, podendo até mesmo trazer ganhos sociais e profissionais.

Nesse contexto, a mídia é responsável por empregar uma série de ferramentas, como programas de tratamento, para construir imagens perfeitas. Alguns anos atrás o processo de veiculação dessas imagens se dava sobretudo pela televisão e pela propaganda. Hoje em dia, com a chegada da internet, esse processo de difusão se tornou muito mais acentuado, afetando tanto homens quanto mulheres, mas de maneiras distintas.  Enquanto as mulheres buscam “corpos longilíneos, esguios, mas com mamas volumosas, curvas e contorno corporal cinturado, os homens procuram mais por face, tórax, abdômen e por procedimentos cosméticos, como o botox”, diz Sante. Segundo ela, a herança cultural de cada país gera demandas estéticas diferentes. Em países mais frios, por exemplo, onde o corpo é coberto por roupas, as cirurgias são mais faciais, mas no Brasil, por se tratar de um lugar de mais calor, cultua-se o contorno corporal.

Hoje em dia, já existem algumas iniciativas de empresas que buscam celebrar uma maior diversidade de imagens. “Infelizmente, essas iniciativas são pontuais e não têm a mesma capacidade de propagação na grande mídia, que ainda veicula predominantemente imagem irreais e difíceis, se não impossíveis, de serem alcançadas pela maioria da população”, contrapõe Maria Fernanda. “Ainda temos um longo caminho a percorrer no que se refere à aceitação de um conceito mais amplo de beleza pela mídia e pela população”.

Sante também acha importante a auto-valorização, mas destaca mais uma vez que a cirurgia não deixa de ser uma possibilidade. A obsessão surge na hora em que ela vive em função disso, gerando prejuízos para outras áreas da vida, ou mesmo quando alguém busca modificações incessantemente: “Tem gente que não quer nem cicatriz, que acha que cirurgia plástica faz mágica”.

Quanto a isso, ela é bastante categórica. Se a expectativa é muito irreal, se o biotipo da pessoa não condiz com a imagem que deseja, ela não é uma boa candidata para cirurgia plástica. De acordo com ela, “o problema é quando cirurgiões plásticos inexperientes, ou que não são muito responsáveis, aceitam esses casos. Isso pode dar problema, porque a pessoa nunca vai ficar satisfeita”. No entanto, condenar todas as cirurgias estéticas por casos como esses é reducionista demais.

Medicina estética renegada

Com 18 milhões de cirurgias plásticas realizadas no ano de 2015, o Brasil é o segundo país no mundo onde mais se realizam esse tipo de procedimento. Fonte: Pixabay

No Brasil, procedimentos estéticos como aplicação de toxina botulínica (botox) e cirurgias plásticas são realizadas por médicos de áreas como dermatologia, otorrinolaringologia e cirurgia plástica. Não há, no país, uma especialidade de estética reconhecida pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

No entanto, a não-reconhecida Sociedade Brasileira de Medicina Estética (SBME) segue buscando sua institucionalização. Para o CFM, as práticas da chamada medicina estética não constituem procedimentos específicos que justifiquem a formação de uma nova especialidade médica. Já segundo Aloizio Ferreira de Souza, presidente da SBME, trata-se de uma questão de reserva de mercado. De acordo com Souza, sociedades como a de dermatologia, possuem um lobby forte para evitar a criação dessa nova categoria.

No site da SBME, pode-se acessar um breve histórico dessa corrente da medicina, que, segundo consta, surgiu de um cruzeiro de férias de três dermatologistas franceses. Também é possível ler as diretrizes e propósitos da medicina estética. De acordo com a Sociedade, “contraditoriamente, apesar de almejada por todos, com maior ou menor intensidade, a saúde estética ou a valorização da auto-estima é por vezes associada a mera satisfação de um capricho ou futilidade. Grande engano! A vaidade, vista como futilidade, coisa sem importância ou sem valor é uma característica negativa do ser humano. Entretanto ela [é] positiva quando expressa a vontade de uma pessoa de estar bem e agradar a si mesma e a seus semelhantes.”

É importante ressaltar que a medicina estética não possui um curso de residência, justamente por não ser reconhecida como especialidade médica. Portanto, é preciso estar atento quanto a profissionais que se dizem esteticistas, uma vez que, no Brasil, essa categoria não existe. O que existem são médicos, das áreas de dermatologia, cirurgia plástica, otorrinolaringologia, habilitados à realizarem procedimentos de ordem estética.

O lado que ninguém vê

O pós-operatório é algo bastante importante. Especialistas apontam para o fato de que o descuido pode ocasionar consequências prejudiciais não só para a obtenção do resultado pretendido, como também para a saúde do paciente, que deverá readequar sua rotina. Giovanna teve que evitar lugares cheios e sofreu com as limitações impostas pela cirurgia. “Eu não conseguia espirrar direito, era estranho. Depois de dois meses, já estava melhor. Mas meu nariz deixou de ser sensível, só voltou ao normal, depois de um ano’’, completa.  

Esta parte nada glamurosa do processo cirúrgico vem cercado de dúvidas. No YouTube, diversas pessoas que se submeteram às intervenções relatam como foi passar pelo pós-operatório. Com milhares de visualizações, os vídeos servem para tirar as principais dúvidas que os interessados têm e que buscam respostas em quem já vivenciou toda a experiência .

E uma rápida análise desses relatos revela o difícil processo de recuperação. Com 182 mil inscritos, Ariane Rodrigues conta em seu canal detalhes de suas primeiras duas semanas de recuperação após colocar silicone nos seios. Durante todo esse período, seus movimentos eram limitados, e ela foi proibida de ir à faculdade e de se levantar e tomar banho sozinha. Dirigir e fazer exercícios também estavam proibidos, mesmo após esse período de descanso inicial.

A dor que o paciente irá sentir, no caso das cirurgias nos seios, vai depender do local onde a prótese for implantada. De acordo com o cirurgião plástico Luiz Wanna, aqueles que tiverem que colocar o silicone atrás da musculatura terão um pós-operatório mais doloroso. O outro modo de inseri-las é entre o tecido muscular e a glândula mamária, no chamado subglandular.

Fora esta, existem outras intervenções cujo tempo de recuperação é ainda maior. Para lipoaspirações, por exemplo, recomenda-se um período de três a quatro semanas. A busca pelo corpo ideal implica não só em investimento financeiro e mudanças radicais no corpo, mas também a abrir mão da sua rotina e a um intenso (e por vezes doloroso) processo de recuperação.

 

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