Pesquisa indica má administração de recursos hídricos como responsável pela sua degradação

"O problema não está na lei, mas na maneira como se aplica a lei", explica o autor do estudo, Giuliano Deliberador

Fonte: Reprodução

Foi defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo tese que critica a maneira como são tratados os recursos hídricos do país pelos entes federativos (União, estados e municípios). A pesquisa Fundamentos jurídicos da cooperação em matéria de recursos hídricos, defende que os problemas hídricos que o país sofre nos últimos anos são derivados da má administração da Federação das águas brasileiras, usando-as, inclusive, como moeda de troca.

O autor, Giuliano Deliberador, decidiu realizar a pesquisa, que critica a atual maneira de se lidar com as águas, depois de sua atuação como chefe de gabinete do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), a autarquia responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos no estado. “Trabalhando no DAEE percebi muito claramente que a União remava para um lado, o estado para outro e os municípios idem. Não havia uma cooperação sistematizada entre os estados, municípios e a União para cuidar da água”, comenta o pesquisador. “O resultado disso são rios, lagos, recursos hídricos em geral com qualidade muito ruim e cada vez mais problemas de disponibilidade hídrica ou cenários episódicos de cheias”.

A Constituição Federal de 1988 define em seu artigo 20, item três, que os corpos d’água que façam divisa com outros países, comecem ou terminem neles, ou então que banhem mais de um estado dentro do território nacional pertencem à União. Todos os outros pertencem aos estados, tendo cada estado sua própria burocracia de gerenciamento. Isso significa que a maior parte das águas brasileiras estão sob supervisão dos estados, sem a necessidade de uma uniformização do tratamento que recebem.

Em sua pesquisa, Deliberador defendeu que, por ser um recurso vital não apenas do ponto de vista ambiental como social também, as águas deveriam ser vistas como uma responsabilidade de todos as instituições federadas, sendo zeladas pela perspectiva da cooperação federativa. “Cooperação federativa é uma doutrina que vêm da jurisprudência alemã e fala que dentro do panorama federativo se cria um regime no qual todos devem agir juntos. Disso decorre um dever de solidariedade e lealdade dentre os entes federativos. É vedado o comportamento de concorrência. Isso é particularmente importante quando se percebe que a ação do Estado se torna falha quando não há essa comunicação entre os membros federados”.

É apontado também a má distribuição dos recursos hídricos. Apesar do Brasil ter uma abundância do recurso, a maior parte dele se localiza em áreas inabitadas e inexploráveis por motivos ambientais, como a Amazônia, por exemplo. “Se tem 80% da água onde estão 20% da população, e 80% da população onde se tem 20% da água. A Bacia Amazônica é riquíssima em água, no entanto, a Bacia do Tiête-Paraná vive uma situação de extremo estresse hídrico porque se tem dezenas de milhões de pessoas precisando de água. O uso que se faz da água também prejudica a disponibilidade. Se polui muito e se gasta muito”.

É justamente o desequilíbrio entre as regiões de alto e baixo consumo em relação à acessibilidade hídrica que causa os recorrentes processos de transposição de água entre bacias. O pesquisador aponta para a levianidade com que se são feitos e negociados esses processos. A água se torna uma moeda de troca entre os estados, sem que haja uma preocupação geral com infraestrutura básica que traria desenvolvimento social, como o saneamento básico, que é um interesse nacional.

Deliberador aponta para a necessidade de se mudar a maneira de se enxergar a água e, portanto, tratá-la. A pesquisa não propõe mudanças na legislação, seja por proposta de lei ou emenda constitucional, mas sim uma transferência de valores, tornando a água uma prioridade e uma preocupação nacional, à luz do Artigo 20 da Constituição Federal.

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