“Mentoria promove saúde na universidade”, diz psicóloga

O ‘Programa Tutores’ vem há anos oferecendo um espaço institucional para pausa, reflexão e troca de experiências dentro do cotidiano atarefado dos estudantes da Faculdade de Medicina da USP

(Imagem: reprodução)

A Doutora em Psicologia Patrícia Bellodi, que trabalhou 18 anos na Santa Casa de São Paulo no apoio psicológico ao estudante, coordena, desde 2000, um programa de mentoring na Faculdade de Medicina da USP, fundado pelo Professor Milton de Arruda Martins, chamando “Programa Tutores”. Esse programa tem como objetivo primordial promover a troca de experiência entre alunos de diferentes anos do curso e professores, discutindo sobre as escolhas e os desafios do cotidiano acadêmico. “Mentoria é a relação entre alguém experiente e alguém iniciante no mesmo caminho”, explica Patrícia. “O mentor é alguém que inspira, encoraja, fala ‘vai adiante’, apresenta as pedras do caminho, mas mostra as belezas da estrada, porque ele tem a experiência do viajar. Ele nunca diz para o mentorado onde ele tem que ir, mas compartilha a experiência do que é andar por aquela estrada”.   

Patrícia ainda destaca que “a mentoria promove saúde na Universidade”, porque na roda de conversa do grupo, você vivencia acolhimento, troca informações significativas para seu desenvolvimento pessoal e profissional e tem contato, ao vivo e a cores, com um exemplo do futuro profissional, ou seja, aceitação, reflexão e exemplo concreto do porvir.

Estruturação do programa

O Programa Tutores é realizado na forma de encontros, em que um professor, com um papel de mentor, se reúne periodicamente com um grupo heterogêneo de alunos, do 1º ao 6º ano do curso, para trocarem experiências. Os tutores agem como coordenadores, “maestros”, para que o grupo possa compartilhar estratégias de enfrentamento frente ao presente do curso e da faculdade, assim como conversar sobre o futuro profissional, com questões sobre o internato, intercâmbio, perguntas como “como é ter um consultório?”, dentre outras.

Os professores, para exercerem o papel de mentores, precisam se candidatar no site do programa e realizarem uma entrevista com a coordenadora – na qual são avaliados o interesse, tempo disponível e compreensão dos objetivos do programa. “Não é um grupo de iniciação científica, não é um grupo de psicoterapia, é um grupo para troca de experiências, e os possíveis mentores devem estar cientes disso”, explica a psicóloga. Os mentores são acompanhados ao longo do processo pela Patrícia, havendo mensalmente uma reunião de supervisão com eles, para se informar sobre o andamento das atividades e auxiliar no que for preciso.  

Ao longo dos anos, o programa veio sofrendo uma série de mudanças. Ele sempre foi oferecido como opcional, mas, de início, todo calouro que entrava na Faculdade de Medicina “ganhava” um tutor, havendo um horário fixo na grade horária do curso para os encontros, mas cabia ao aluno decidir se iria às reuniões ou não. Atualmente, o programa mudou: o estudante que deseja ter um mentor precisa se inscrever na atividade. Isso é feito por meio do site do programa, o aluno analisa os “cartões de visita” dos tutores o programa conta hoje com 32 professores exercendo essa função e escolhe 3 nomes de professores que gostaria de ter como mentor. As reuniões atualmente acontecem de acordo com os horários decididos pelo grupo, e os estudantes que estão no internato (5º e 6º ano do curso) hoje exercem a função de co-tutores, colaborando como a organização dos encontros e trazendo idéias de temas e atividades interessantes e criativas.  

Adesão, exportação do modelo e resultados

“Ter um mentor é um privilégio que a gente só reconhece anos depois”, disse Patrícia, parafraseando estudiosos da área. Um dos maiores desafios do ‘Programa Tutores’ é a adesão estudantil. A agenda de um aluno de medicina é lotada, concorrida entre diversas atividades extras que contam créditos no histórico escolar e/ou pontos na prova de residência médica, como iniciação científica e ligas acadêmicas. A tutoria já chegou a pontuar e ser considerada, como as ligas, nas entrevistas de residência, mas “como outras escolas médicas não oferecem programas semelhantes, legalmente não foi aceito como contagem no currículo”, explica a psicóloga. Nos 16 anos de programa, a adesão foi de 25% a 30% ao ano, e, na visão de Patrícia, é algo bastante satisfatório dentro do contexto do curso médico. Esse ano, com o aluno tendo que se implicar para ter um tutor, espera-se testar um novo modelo para avaliar o real interesse estudantil, que deve frequentar as tutorias exclusivamente pelas vantagens que ele acha que vai ter nessa roda de conversa.  

Com o intuito de disseminar esse modelo de mentoring, a psicóloga já foi em diversas outras escolas para conversar sobre a atividade e seus benefícios, sendo até “madrinha” de programas de mentoria em outras escolas por todo o país. “Todo ano no COBEM [Congresso Brasileiro de Educação Médica] há palestras, atividades, oficinas sobre a tutoria. É essencial disseminar essa ideia.”

Quanto aos resultados, Patrícia conta que o programa possui cerca de dez anos de registro através de uma avaliação chamada “O Tutorando”, em que o aluno avalia a ele mesmo, o tutor, o grupo e o programa. A maioria dos alunos tem reconhecido que a tutoria ajuda a conhecer o curso como um todo, ampliar a rede de relações, diminuir estresse e a ver a Medicina e o curso de forma mais positiva.

Mas não são só os alunos que apontam as vantagens, tutores também se engrandecem muito com os encontros, como é o caso do Dr. Alexandre Ferraro, professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e tutor do programa. “Através dos encontros, eu entendo a perspectiva do aluno, recupero o ideal da minha escolha profissional, que é ter um contato maior com os estudantes, e, de alguma maneira, a gente sempre sai mudado dos encontros”.  

Alexandre ainda destaca que o programa é bem importante para redimensionar as situações que cada um está vivendo. “A aventura de quem está começando o curso; o desânimo no meio do curso, a perda da idealização e as frustrações com isso; ou as ansiedades de quem está terminado a graduação e vai ter que enfrentar os desafios pós faculdade, você tem tudo isso junto nos encontros”, diz. “A importância é que, ouvindo outras pessoas, cada um consegue redimensionar sua própria problemática, às vezes ela parece enorme, e quando você vê ela dentro do todo, não que desapareça, mas chega a sua proporção adequada”.

Patrícia explica ainda de onde vem o termo “mentoring”, para mostrar a relevância dessa relação de ajuda desde sua origem. “É uma palavra derivada de um personagem da Odisseia de Homero. Nessa obra clássica, Telêmaco, filho do rei Ulisses, está aflito com o desaparecimento de seu pai desde a Guerra de Tróia. Vários pretendentes pressionam sua mãe, Penélope, a escolher um deles para assumir o Reino de Ítaca. Estando no final da adolescência, Telêmaco, se sente impotente diante dessa situação. Nesse momento surge, então, um amigo de Ulisses, chamado Mentor, que diz ao jovem: ‘Vá em busca de notícias de seu pai, eu vou junto com você’. Mentor encorajava Telêmaco a seguir em frente e dava orientações práticas ao longo de sua jornada.”

É isso, diz Patrícia, que o programa de mentoria oferece. “Suporte no caminho e gente querendo ouvir gente. Propõe, acima de tudo, algo muito difícil e raro hoje em dia: parar para conversar, pensar, falar e ouvir, e, com isso, crescer”.  

 

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