A adoção de smartphones pelo consumidor de baixa renda é estimulada pelo Whatsapp

Mas, segundo pesquisa, o uso que se faz do aparelho é limitado pela falta de conhecimento e de confiança

Atualmente, o celular faz parte do processo de integração das pessoas com a sociedade. Imagem: reprodução

O consumidor de baixa renda apresenta restrições em muitos aspectos, principalmente na questão financeira, mas também do ponto de vista da infraestrutura e do conhecimento. Atento a essa questão, Vitor Koki da Costa Nogami, em pesquisa realizada pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, voltou-se para a análise da adoção de inovação no mercado de baixa renda, buscando identificar como diminuir essas restrições e quais fatores potencializam a adoção da inovação. O produto escolhido como objeto de pesquisa foi o smartphone, visto que ele é acessível economicamente, possui uma variedade grande de preços e modelos e apresenta o fator tecnológico.

O pesquisador utilizou tanto o método qualitativo quanto o quantitativo. A etapa qualitativa da tese de doutorado foi composta por diversos focus group (entrevistas em grupo), realizadas com funcionários do setor de limpeza da FEA e principalmente com moradores da Favela de Paraisópolis. A etapa qualitativa também contou com entrevistas feitas em regiões de extrema pobreza do sul da Índia. Durante o doutorado, Vitor Nogami realizou o doutorado sanduíche na University of Illinois at Urbana-Champaign, onde teve a oportunidade de viajar para Índia para realização de projetos e pesquisas em ambiente de extrema pobreza. Diante deste contexto, Nogami aproveitou a oportunidade para fazer uma segunda coleta de dados: “Os resultados encontrados foram diferentes uma vez que, além dos fatores culturais e de renda, a infraestrutura na Índia, de maneira geral, é mais atrasada que no Brasil, no que tange ambientes rurais e suburbanos”.

O componente quantitativo foi a aplicação de dois questionários. O primeiro, presencial, voltado para o público de baixa renda e aplicado em três bairros distintos de São Paulo: Paraisópolis (Zona Sul), Cidade Tiradentes (Zona Leste) e Vila Sônia (Zona Oeste). E o segundo, via Internet, aplicado em consumidores da alta renda, com uma renda média superior a R$ 4 mil, para efeito de comparação. Segundo Nogami, pesquisas que se voltam para o mercado de baixa renda não costumam fazer essa comparação: “Muitas pessoas assumem, desde o princípio, que há diferença entre o comportamento das pessoas de alta e baixa renda. Já outras pessoas, assumem que o processo de decisão de compra e adoção da inovação é o mesmo, em termos de cognição, avaliação de alternativas e tomada de decisão. Fazer essa comparação é uma contribuição que comprova cientificamente essa diferença.”

De acordo com a pesquisa, considerando que o ser humano é naturalmente social, o celular faz parte do processo de integração das pessoas com a sociedade e este é um fator primordial na adoção do smartphone no cotidiano. O aplicativo Whatsapp, que transformou o modo como as pessoas se comunicam, é um dos grandes estimuladores do uso. Não só do ponto de vista pessoal, mas também do profissional. Um fator em comum entre Índia e Brasil é a comunicação entre parentes, potencializada pela troca de mensagens de fotos e vídeos, facilitada com essa tecnologia. “A partir do momento que quebramos essa barreira de adotar a inovação, facilitamos a comunicação e melhoramos a qualidade de vida das pessoas”, afirma Vitor. Na Índia, por conta da cultura machista mais enraizada, as mulheres casam, “entram” para a família do marido e perdem, praticamente, todo o contato com a família. Hoje, por meio do Whatsapp, elas conseguem manter contato com a família, enviar fotos e vídeos. Muitas pessoas, utilizam, ainda, o aplicativo para facilitar o trabalho, principalmente autônomos, já que facilita o relacionamento com clientes e fornecedores, acelerando o ciclo de vendas.

Complexidade do mercado de smartphone contribui para aumentar a falta de confiança dos consumidores de baixa renda. Imagem: Vitor Koki da Costa Nogami

O maior problema, portanto, não está na adoção do smartphone, mas no uso, que é limitado. Apesar de possuir o aparelho, o consumidor de baixa renda não utiliza tudo o que ele pode oferecer, principalmente em decorrência da falta de conhecimento em relação às características técnicas e dificuldade em compreender a complexidade do mercado dos smartphones. Também influenciam na restrição a falta de confiança em relação às operadoras, o medo de ser assaltado e de expor informações pessoais na Internet e a falta de estrutura, pois as operadoras, muitas vezes, não instalam pontos de Internet em regiões periféricas. Dessa forma, o consumidor de baixa renda é penalizado duas vezes (poverty penalty). Primeiro, pelo fato de possuir uma renda menor e, consequentemente, um baixo poder aquisitivo. E também por conta das dificuldades, como infraestrutura, responsáveis por elevar o preço absoluto dos serviços.

Por isso, os vendedores têm um papel fundamental como agentes que podem ajudar os consumidores a entenderem os termos tecnológicos. Segundo Vitor, é válido ressaltar, no entanto, que às vezes o próprio vendedor não tem o conhecimento e cabe à empresa oferecer um treinamento qualificado. Além disso, se a internet de qualidade, com preço reduzido e que estivesse disponível para toda a população fosse uma realidade, a adoção do smartphone aumentaria significativamente.

A pesquisa também aponta que a principal diferença entre os consumidores de baixa e alta renda é que os de alta renda não estão preocupados com o preço, mas se atentam às características e benefícios do produto. Com o consumidor de baixa renda, acontece o contrário. Também foi observado que na Índia a questão de gênero é muito presente, porque a tecnologia é vista como masculino e as mulheres, quando adotam o smartphone, utilizam, na maioria das vezes, o aparelho antigo do marido.

Além dos resultados obtidos em relação à adoção da inovação pelos consumidores de baixa renda, Vitor Nogami afirma que outra grande contribuição do seu estudo foi o curso de empreendedorismo realizado em Paraisópolis como forma de se aproximar dos moradores: “Foi uma das partes mais marcantes da tese, uma contribuição social importante e que ainda traz impactos, já que o curso se encontra em sua segunda edição ”.

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