A comunicação entre o público e o privado na administração estatal

Tese de doutorado da Faculdade de Direito da USP aborda lado dialógico das relações jurídico-administrativas e seus efeitos no gerenciamento público

Diálogos são parte inevitável do processo de validação do governo. No destaque, prédio da Administração Central da Universidade. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A relação saudável dos governados com os governantes é parte essencial da democracia como ela é exercida hoje; baseada na confiança que um tem na capacidade do outro de cumprir com os seus deveres, assegurando e priorizando a vontade e o benefício comum. O bom gerenciamento desse vínculo resulta na legitimação do governo atuante; ou seja, quanto mais retorno o Estado dá sobre as demandas populares ou com relação às suas responsabilidades básicas, mais dispostos os cidadãos estarão a pagar impostos, por exemplo.

O pesquisador Gustavo Henrique Carvalho Schiefler defendeu em sua tese de doutorado, Diálogos publico-privados: da opacidade à visibilidade na administração pública, justamente que esses diálogos, por serem inerentes à administração pública, são parte inevitável do processo de validação do governo, principalmente o nível de transparência com que são levados. Quanto mais às claras um negócio entre agentes públicos e econômicos é firmado, menores serão as incertezas sobre a sua legalidade.

A inovação da dissertação é o foco; diferentemente dos estudos típicos voltados para as preocupações legais e procedimentais, a tese teve como meta estudar a faceta comunicacional das relações jurídicas entre Estado e particulares. O uso do termo diálogo pelo doutorando, apesar do tradicional uso de relação no direito, incorpora essa distinção. “A escolha desse termo diálogo vem da ideia de, primeiro, enfocar a questão comunicacional, e segundo, trazer uma ideia de que essa comunicação entre a administração e os particulares, pelo menos teoricamente, busca a formação consensual de objetivos comuns e alinhamento de interesses e necessidades”, explica Schiefler.

Os diálogos público-privados ocorrem sempre que agentes da administração e privados conversam envolvendo interesses econômicos. Desde licitações, concessões e parcerias público-privadas, até a abertura de editais de hackatons e concursos de projetos. Esse tipo de ponte estabelecida tem como benefício uma redução de assimetrias informacionais: o público sabe o que precisa ser resolvido, as empresas como. O alinhamento de interesses e informação desaguaria em eficiência, necessária para a gestão pública, desde que assumissem um perfil formal, carregando consigo os princípios também de publicidade, legalidade, moralidade e isonomia, no sentido de respeitar a competitividade do mercado.

Os risco dos diálogos público-privados residem na incapacidade do processo administrativo de regular e fiscalizar a ocorrência dos mesmos. Apesar da existência de certas leis que visam uma maior formalidade das negociações desses fenômenos, a maioria delas toma lugar na informalidade, apoiadas em tecnologias como a criptografia de ponta a ponta, sem que haja nenhum tipo de registro da sua existência. “A informalidade, pela ausência de controle e de possibilidade de controle, potencializa a corrupção e inviabiliza deveres jurídicos do Estado, como a transparência. Se você atua completamente na informalidade, e aqui informalidade é ausência completa de forma, você não tem como dar transparência e publicidade à atuação administrativa”.

As conclusões da tese carregam um forte ceticismo do autor com relação à capacidade do Estado de lidar com problemas acarretados pelos diálogos público-privados, especialmente o governo desenvolvimentista e intervencionista brasileiro.“Esse é um fenômeno incontrolável, e o máximo que se pode fazer são algumas medidas de reforma, mas elas tem uma eficácia limitada. Elas podem amenizar o risco da informalidade mas, não têm potencialidade para eliminá-lo”.

As soluções apontadas como possíveis se dividem em dois grupos: as disruptivas e as reformistas. Soluções disruptivas se caracterizam pelo fim dos diálogos público-privados, evitando assim a concretização dos riscos da informalidade, principalmente a corrupção sistêmica. As soluções reformistas falam na mudança do ordenamento jurídico brasileiro e da cultura administrativa, ambas buscando uma melhor forma de incorporar regulações às relações jurídico-administrativas.

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