Pesquisa da USP traça estratégias de geoconservação para Ilhabela

As medidas visam, além da preservação de áreas de valor científico, o desenvolvimento sustentável da ilha por meio do geoturismo

O Pico do Baepi, um dos geossítios selecionados pelo estudo, tem grande importância geológica e turística na região. Imagem: Marcio Bortolusso

Rochas carregam marcas de eventos ocorridos há milhões de anos e são fonte de informação para entender melhor diversos fenômenos geológicos. As formações rochosas do litoral do estado de São Paulo, em específico de Ilhabela, contam uma história particularmente relevante: a da evolução do supercontinente Gondwana, que culminou na separação da América da Sul da África. No entanto, o turismo intenso de Ilhabela, aliado à falta de estratégias de conservação, podem colocar em risco o patrimônio geológico da região. Levando isso em consideração, uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Geociências (IGc) da USP, realizou um inventário dos principais geossítios de valor científico da ilha, sugerindo estratégias de gestão e geoconservação para que, além da preservação, haja o desenvolvimento social da região por meio do geoturismo – modalidade de turismo na qual os atrativos de visitação são os sítios geológicos.

“Geoconservação envolve descobrir os lugares em que as rochas precisam ser conservadas porque elas têm características que te dão muitas informações a respeito da história da Terra. Mas nem tudo pode ser conservado, porque há um limite financeiro, um limite físico, um limite temporal”, explica Rachel Prochoroff, responsável pela dissertação de mestrado que aborda o patrimônio geológico de Ilhabela. Segundo a pesquisadora, o primeiro passo do estudo de geoconservação deve ser selecionar, por meio de um inventário, qual é o local que melhor serve para ser conservado, que deve ter importância científica, caracterizando-se como um geossítio. No caso de sua pesquisa, foram levantados nove geossítios que apresentassem registros da movimentação das rochas durante eventos ocorridos desde o Neoproterozoico.

No entanto, para além do valor científico dos sítios, a geoconservação considera também os potenciais educativos e turísticos das áreas a serem preservadas e geridas: “A geoconservação também serve para dizer: ‘esta rocha é importante porque as pessoas vêm aqui e gastam dinheiro para vê-la’”, ressalta Rachel. Ilhabela, sendo um forte ponto de visitação por conta de suas praias, pode muito se beneficiar com a geoconservação em sítios de valor turístico. Com uma população fixa de cerca de 30 mil habitantes, a ilha chega a receber 70 mil turistas nos três meses de verão, durante a alta temporada de visitação. Os habitantes que tiram seu sustento do turismo têm de se esforçar para obter toda sua renda anual durante esses três meses, mas esse cenário pode ser melhorado com o geoturismo. “A rocha é uma ótima fonte de turismo porque ela sempre está lá. O turismo do brasileiro em Ilhabela é praia durante o verão, mas quando você fala em trilha, fica mais fácil, porque você pode fazer isso em qualquer estação”, afirma a pesquisadora.

A Pedra do Sino é um dos principais pontos turísticos de Ilhabela, mas sem estratégias de geoconservação pode sofrer danos a longo prazo. Imagem: Fernando Tomanik

Dentre as estratégias propostas para a geoconservação de Ilhabela estão a promoção dos sítios, interpretação e formação de guias locais que possam falar sobre as rochas para os visitantes, confecção de placas e painéis, além do monitoramento da área, para impedir a degradação devido à carga turística. Para Rachel Prochoroff, é essencial, também, envolver a população neste processo: “Quando você ensina para as pessoas do lugar o que aquela rocha significa, eles começam a ter uma sensação de pertencimento, e passam a ser capazes eles mesmos de ser guias, de providenciaruvenirs que podem ser vendidos com aquela temática”, diz. Assim, surge uma nova fonte de renda para os habitantes, aliada à preservação e ao desenvolvimento sustentável. “A geoconservação se torna, na verdade, um grande universo de melhoria das condições de vida das pessoas”, conta.

Geoparques

Uma estratégia de geoconservação bastante utilizada em diversos locais do mundo é a proposta de geoparques. Geoparque é uma ferramenta de gestão territorial apoiada em três pilares: geoturismo para desenvolvimento sustentável, educação e geoconservação. Contudo, geoparques não seguem o mesmo princípio dos parques nacionais, ou seja áreas de preservação integral que, quando demarcadas, levam à desapropriação das terras dos moradores locais. Eles são espaços sem cercas, geridos pelos órgãos públicos locais, nos quais o turismo sustentável é incentivado e todo o lucro é revertido para população. Os geoparques de valor geológico reconhecidos internacionalmente recebem o apoio da Unesco no Brasil, este é o caso de apenas um geoparque, o de Araripe, no Ceará.

Em Ilhabela, de acordo com Rachel Prochoroff, ainda não foram encontrados geossítios de valor internacional, mas nada impede que sejam criados geoparques na região. “Um geoparque pode ser um geoparque em qualquer lugar, só requer que a população, as câmaras municipais e os órgãos de gestão entrem em acordo e façam isso acontecer”, ressalta a pesquisadora. Para criar um geoparque é necessário delimitar os sítios de valor turístico, educativo e científico; fazer a geointerpretação dos locais; determinar as estratégias de gestão. E isso poderia ser realizado em Ilhabela a pesquisa de Rachel, por exemplo, aponta que geossítios com potencial turístico e educativo não faltam na ilha. A geóloga afirma que, mesmo sem a marca da Unesco, seria viável criar geoparques na região. “Ter um geoparque da Unesco aumenta o turismo? Sim. Aumenta a renda do lugar? Aumenta. Mas não é impreterível. Você pode muito bem preterir da Unesco por enquanto e fazer a parte de desenvolvimento sustentável por meio do geoturismo.” Mas a falta de leis que englobem a geodiversidade e de políticas públicas que pensem o geoturismo são, atualmente, um empecilho para a criação de tais espaços na ilha: “Falta é gente para fazer isso, falta dinheiro”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*