Moradores de Goiás recebem auxílio no combate a doença rara

Professores da USP pesquisam grande incidência de Xeroderma Pigmentosum na região de Araras

Comunidade de Araras, no Estado de Goiás (Fonte: Gleice)

Um estudo realizado pelo Laboratório de Reparo de DNA, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP), buscou entender a grande incidência de doenças causadas por deficiências no processo de reparo de DNA em Araras, comunidade que se encontra a mais de 200 quilômetros de Goiânia (GO). Nesse estudo, a professora Veridiana Munford e a doutoranda Ligia Pereira Castro investigaram as causas daquela região ser tão afetada pela síndrome de Xeroderma Pigmentosum.

A doutoranda Ligia com moradora da comunidade (Fonte: Veridiana Munford)

A doença se caracteriza por elevar a ocorrência de câncer de pele no hospedeiro, em decorrência da exposição à luz solar. “Quando criança, ao se expor ao Sol, o que é uma questão rotineira da mãe e de uma criança que precisa de vitamina D para se desenvolver, ela acaba tendo queimaduras, o que não é normal”, afirma Ligia, que também fala da dificuldade de se realizar um diagnóstico precoce devido à raridade da doença, que os médicos costumam confundir com alguma reação alérgica, porque não possuem conhecimento da incidência dessa síndrome.

 

Gleice e seu filho Allison, portador da mutação (fonte: Ronaldo de Oliveira)

O estudo começou quando uma das moradoras da comunidade, chamada Gleice, decidiu procurar o laboratório do professor Carlos Menck, do ICB, para diagnosticar seu filho Allison, um dos portadores da doença. Segundo a pesquisa que se seguiu, pôde-se constatar que, apesar de a Xeroderma ser muito comum, não se havia na região nenhuma informação sobre ela, e muitos tratavam os casos com passividade, normalidade, como se não houvesse nada a fazer. “Era a doença da pele ruim”, lembram as pesquisadoras, pois a população reconhecia a doença, mas não lhe dava a devida importância.

Araras é a comunidade com maior incidência de Xeroderma Pigmentosum do mundo. Essa grande incidência se deve à alta quantidade de casamentos consanguíneos. “Na região, quase todos são primos de todo mundo, e casamento com primos é normal”. As pesquisadoras também apontaram que esses casamentos são os responsáveis pela propagação da mutação genética causadora da doença que, embora seja resultante de uma mutação recessiva, acaba por se tornar dominante ao formar um par de alelos em filhos de pessoas com parentesco. Contudo, as pesquisadoras alertam para um outro fator que seria responsável pela grande incidência da doença: a chegada, por volta dos anos 1960, de uma segunda mutação no gene que também era causadora da doença. “Foi uma coincidência, um azar”, afirmou a professora Veridiana Munford, ao dizer que essa segunda mutação é um fator a mais na propagação da doença pelos habitantes da região, visto que agora não é mais necessário às pessoas serem da mesma família para transmitirem a doença.

A pesquisa, realizada por mais de cinco anos, foi responsável não só por levar informação aos moradores da comunidade, como também por propiciar a eles métodos de prevenção e tratamento dos tumores e queimaduras. A Xeroderma não é uma doença que possui cura, mas é possível se prevenir da radiação ultravioleta do Sol e tratar os tumores causados. Para viabilizar esses tratamentos, foi instaurada uma associação para o tratamento da Xeroderma no local, chefiada pela própria Gleice, que recebe lotes de um creme para proteção contra os raios UV a cada três meses do governo de Goiás. Outra conquista foi o diagnóstico de todos os habitantes com a síndrome e o uso desses exames para comprovar a necessidade de aposentar alguns trabalhadores por invalidez, visto que aquela é uma comunidade agrícola e a maioria dos trabalhos requerem grande exposição ao Sol. Um efeito negativo apontado, porém, foi o “tarjamento” das pessoas como “possuidoras do gene mutante”, marcação que levou pessoas a se afastarem, a deixarem de namorar e a saírem de casa para evitar que a doença continue a se disseminar.

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