Estudo da USP contribui para os avanços das pesquisas em TV

Sentimento nostálgico em relação às telenovelas domina o público brasileiro

Logomarca de Roque Santeiro, novela de 1985 exibida pela Rede Globo. Fonte: Wikipedia/Reprodução

Por João Paulo Almeida – joao.almeida@usp.br

Existem novelas cult. Esse é o resultado, baseado em dados empíricos, do doutorado de Clarice Greco Alves, TV Cult no Brasil: memória e culto às ficções televisivas em tempos de novas mídias, apresentado em 2016 na Escola de Comunicações e Artes (ECA).

Ela aplicou um questionário nas redes sociais, com a pergunta: “Qual telenovela, de todos os tempos, você considera cult?”. As 350 respostas que obteve, trouxeram 78 novelas e as mais citadas foram: Roque Santeiro, de 1985 (60 menções); Que Rei Sou Eu?, de 1989 (31 menções); Avenida Brasil de 2012 (27 menções); Vale Tudo, de 1988-1989 (27 menções); Vamp, de 1991-1992 (23 menções); O Rei do Gado, de 1996-1997 (14 menções); Lado a Lado, de 2012 (12 menções); Meu Pedacinho de Chão, de 2014 (12 menções); O Bem-Amado, de 1973 (12 menções) e  Saramandaia, de 1976/2013 (12 menções). Todas são da TV Globo, menos Pantanal, de 1990, que aparece logo depois com 11 menções e é emblemática por ser a única de outra emissora.

Foram utilizados o canal Viva e o Youtube como recuperação de arquivo e memória coletiva. O cult, considerado nostálgico, aparece através da perspectiva da história cultural da telenovela, visto em Vale Tudo (1988-1989), Roque Santeiro (1985) e O Bem-Amado (1973), produções mais antigas, que se destacaram pelos seus personagens e por terem marcado a memória de muitas pessoas, com Sinhozinho Malta, Odete Roitman e Odorico Paraguaçu.

O cultestético traz Que Rei Sou Eu? (1989), Vamp (1991-1992), Meu Pedacinho de Chão (2014), O Rei do Gado (1996-1997), Lado a Lado (2012), Saramandaia (1976/2013) e Pantanal (TV Manchete, 1990). É a novela em que o principal destaque é a produção e o texto. Essas novelas trouxeram, de certa forma, algum aspecto inovador e distinto do melodrama tradicional, pelo enquadramento, pela câmera, figurino, imagem ou a narrativa de realismo fantástico ou de fantasia. Pela quantidade de novelas aqui, é relevante apontar a importância da narrativa ou da imagem para a noção de cult do público brasileiro.

Na terceira categoria da pesquisa, está o cultcontemporâneo, que traz o papel da audiência e dos fãs, fiéis e assíduos, que não “perdem um único capítulo”. É o caso de Avenida Brasil (2012), onde os espectadores cultuam a ficção, e ela se torna um elemento de adoração. Surge o ambiente online, que une os fãs, seus comentários e manifestações. À época da novela, o estudo aponta que ela chegou a “parar o país” e deixou um “sentimento de luto” quando acabou.

Clarice Greco Alves lembra, contudo, que essas categorias de cult podem se mesclar, pois uma novela pode apresentar traços de mais de uma categoria. Além disso, a divisão foi utilizada como recurso metodológico para esclarecer esse conceito de cult. “Não é que ‘assistir novela antiga é cult’. Acontece que o cult tem um valor nostálgico. Então, algumas novelas, principalmente as que por terem feito sucesso se tornaram uma espécie de ‘clássico’, evocam esse valor de nostalgia e, com isso, podem ser consideradas cult“, afirma.

Ela explica que as pessoas gostam de rever conteúdos que lhe alimentam a memória e que é prazeroso assistir de novo uma novela ou série que o indivíduo assistiu quando era mais jovem, mas não tinha mais acesso.

Diferente do cinema, a TV não disponibiliza facilmente seu acervo para compra ou aluguel online. Existe até DVDs disponíveis, mas em geral, isso não é muito disseminado. Logo, quando um uma produção é reexibida, ela causa um efeito nostálgico, não só em quem a assistiu anteriormente, mas também nas gerações que ouvem os mais antigos falarem sobre a novela. Isso ocorreu na reprise de Vale Tudo, que fez sucesso no canal Viva, com telespectadores mais jovens conhecendo a “Odete Roitman”, de quem sempre ouviram falar.

A tese levantou a opinião de telespectadores online e analisou as principais características e motivos da seleção dessas novelas. Também teve como objetivo dar voz ao senso comum, levando para o campo acadêmico a utilização do termo cult pelos próprio público.

A televisão mudou muito mas, de acordo com a pesquisa, não está perdendo espaço para as mídias mais modernas, porque está nelas, seja no telefone celular, na internet, nas plataformas de videoondemand e até no ônibus. Os formatos originais de programas se transformam e se adaptam com esse contexto.

Antigamente, as pessoas se reuniam todos os dias no mesmo horário em torno da TV para assistirem juntas e comentarem a trama. Na atualidade, esse encontro acontece nas redes sociais, com alto nível de engajamento e atividade dos espectadores, às vezes maior até que no passado, contribuindo para que a obra seja associada ao status cult. A televisão continua sendo debatida, mas agora em outros ambientes.

As tradições são reinventadas, e de acordo com a pesquisadora, quanto mais “domesticadas” as tecnologias, maior o número de  adeptos. O individualismo se transforma em um ritual coletivo, onde todos assistem ao mesmo tempo e comentam online tudo que o se passa.

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