Pesquisadora da USP analisa o papel das bibliotecas na atualidade

Bibliotecas precisam reorganizar seus processos em todos os níveis. Fonte: Marcos Santos/USP Imagens.

Por João Paulo Almeida – joao.almeida@usp.br

Atualmente, o livro tem perdido espaço para os meios digitais e a leitura na tela do computador, do tablet ou do smartphone é cada vez maior.

Porém, nem sempre foi assim e nas décadas de 1940 e 1950 houve a implantação da rede pública de bibliotecas municipais em São Paulo. Desde então, oferecem acesso livre a diversos materiais, entre livros, jornais, revistas, além de programação cultural constante. Depois, nos anos 90, surgiu o SNBP, Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, com diretrizes que servem de base para as bibliotecas até hoje.

A biblioteca pública sempre foi identificada como um dispositivo educacional, cultural e de convivência, mas hoje em dia ela precisa ser ressignificada, atenta a esses princípios.

Luciana Tavares Dias, em sua dissertação de Mestrado, Bibliotecas como livrarias? Repensando fronteiras entre instituições culturais na contemporaneidade, concluiu que as bibliotecas precisam reorganizar seus processos em todos os níveis. O papel deve ir além do empréstimo e fornecimento de livros, evoluindo para a mediação desses materiais, de forma que estabeleçam com diversos públicos diálogos que ajudem não apenas na informação, mas na afirmação cultural, na expressão, e no reconhecimento identitário. “As bibliotecas necessitam extrapolar suas ações para além das atividades exclusivamente pontuais – incorporando, efetivamente, ações ocasionais à processos educativos e culturais regulares e contínuos, capazes de criar elos importantes e necessários entre os sujeitos, o conhecimento e a cultura”, afirma Dias.

A pesquisa conclui também que livrarias e bibliotecas possuem fins diferentes. Há alguns pontos em comum, como sua forma, onde ambas dispõem de acervo diversificado, com livros, jornais, revistas, publicações internacionais, entre outros produtos, mobiliário e ambiente que, muitas vezes, pode ser moderno e atrativo para o público, além de espaços audiovisuais para acesso a conteúdos digitais, como filmes, CDs, DVDs, e e-books. Possuem também em geral uma programação cultural que visa a divulgação de seus acervos, com lançamentos de livros, encontros com escritores e contação de histórias.

Mas o cerne da diferença é quea biblioteca não pode seguir o modelo econômico e de renovação comercial, próprio daslivrarias. Ao mesmo tempo que uma livraria não pode abandonar sua vocação econômico-financeira, a biblioteca não pode deixar de lado sua responsabilidade e papel na esfera pública.

Dias analisou a biblioteca e as relações da Estação do Conhecimento Einstein, que encontra-se inserida no Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis (PECP), projeto social do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Além da biblioteca, há serviços na área de saúde e outros programas para a comunidade. Foi criado em 1997, para atuar na prevenção e promoção da saúde das crianças da comunidade, aliada à melhoria da qualidade devida.

“Durante o período em que estive a campo na pesquisa, foi possível observar uma grande circulação da comunidade na Estação do Conhecimento o que demonstra uma relação de pertencimento e de apropriação com o espaço. Lá os pais vêm buscar as crianças, após as atividades, levam-nas ao ambulatório médico, incentivam-nas a entrar na biblioteca”, afirma Dias. “É um espaço ‘vivo’, com ritmos, modos de organização das ações, desenvolvimento de interações, de formas de participação, de criação de vínculos que estão integrados a processos educacionais e culturais compromissados não somente com a formação de leitores, como também com identidades culturais que só o trabalho constante, sistemático, acompanhado podecriar.”

Dessa forma, o estudo aponta que, ainda que possam conviver e complementar-se, comércio e cultura são categorias que jamais podem se reduzir completamente uma à outra, face aos objetivos que lhes são próprios e distintivos.

Tal fato não é visto nas bibliotecas públicas em geral, estagnadas no tempo, enquanto as livrarias, tornam-se cada vez mais atrativas e convidativas através do comércio, próximas a verdadeiros “templos de consumo”.

Os jovens  na Estação do Conhecimento Einstein são vistos como protagonistas culturais, não como consumidores, diferente da distinção social e poder de consumo, visada pelas megastores, onde apenas fica exposto aquilo que traz boas vendas, oposto à uma proposta educativa.

O livro, que antigamente era pouco exposto, o “mestre da vida”, ligado a conteúdos sacros e de difícil acesso, passa a ser também mercadoria a partir do período conhecido como “leitura extensiva”, entre 1750 e 1850 na Europa, com a propagação de textos menos densos e literatura menos profunda. “O livro tornou-se um objeto concebido para corresponder aos gostos de uma clientela diversificada, que era necessário seduzir e atrair. É nesse momento, surge a necessidade de se criar publicidade em torno do mercado do livro.”

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