Pesquisadora da USP analisa a cobertura online do caso do bóson de Higgs, conhecida como “a partícula de Deus”

Pesquisadora analisa 158 matérias de diversas fontes online e conclui que a comunicação é feita de forma superficial

Matérias tem conteúdo superficial e não trazem devida profundidade ao assunto. Foto: Divulgação/ Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear

Por João Paulo Almeida – joao.almeida@usp.br

A pesquisadora da USP Marina Monteiro Mendonça analisou em seu projeto de iniciação científica, desenvolvido na Escola de Comunicações e Artes (ECA) sob orientação do professor André Chaves de Melo Silva, a cobertura do caso do bóson de Higgs na internet e o resultado mostra que, em geral, as matérias tem conteúdo superficial e não trazem a devida profundidade ao assunto.

Ela analisou 158 reportagens, de 23 fontes online diferentes, sendo 7 portais tradicionais e mais 16 blogs e sites especializados em ciência.

Foi analisada uma amostra qualitativa de 44 matérias, classificadas entre textos de divulgação, comunicação e disseminação científica, onde foi possível traçar um perfil dos textos publicados entre abril de 2011 e agosto de 2013.

O estudo ajuda a entender o jornalismo online atual e a relação com a busca por cliques e acessos nas matérias. Em geral, a ciência é abordada de forma superficial e isso traz um paradigma: inicialmente pode ser bom para que todos entendam, mas na prática a falta de informações mais completas pode ser um perigo.

Isso é muito comum, principalmente porque a mídia sempre destaca a área de ciências com pautas ligadas à dietas, curas milagrosas e novos remédios, à frente dos assuntos ligados às ciências físicas.

A pesquisadora explica que o caso do bóson de Higgs não é um tema simples e que para que o leitor consiga entender a importância da descoberta é necessário inserir vários conceitos novos, o que não é tão fácil em uma única matéria.

De forma sucinta, a partícula de Higgs pode ser considerada como a matéria-prima de criação do universo. Dentro da física de partículas, considerando a característica ligada à orientação em um campo magnético, uma partícula pode ser do tipo bóson ou férmion.O bóson de Higgs é a partícula elementar chave para a atribuição de massa às partículas W e Z e elétrons, que confere massa a toda a matéria.

Mendonça também aponta que muitas vezes o acesso à comunidade científica não é fácil, seja por falta de acesso, tempo disponível, interesse ou mesmo procura por parte dos jornalistas.

Atualmente Mendonça faz parte do Grupo de Física Atmosférica doInstituto de Física da USP, coordenado pelo professor Paulo Artaxo. No momento,ela também está fazendo mestrado em física.

Todos os acessos e cliques de uma matéria são importantes para o veículo, blog ou site pois a partir disso é que a capitalização e a relevância de um assunto aparecem.Falar “partícula de Deus” não é inteiramente ruim, já que aumenta o compartilhamento da notícia, associada a uma necessidade de exposição e publicidade. Mas as notícias não podem ficar apenas nesse termo, pois podem passar ideias equivocadas, minimalistas e até mesmo questionar a utilidade da ciência.

A detecção do bóson foi realmente importante mas há notáveis diferenças entre aquilo publicado em meios online conhecidos, como blogs, colunas ou cadernos de jornais, que com equipe maior trazem melhor  apuração de dados, melhor contextualização e apoio de profissionais da área,em relação aalguns portais de tecnologia, supostamente especializados, que deixaram a desejar.

Ao mesmo tempo, alguns blogs pessoais tiveram destaque, pois, uma vez que, não possuíam exigência nem cobrança de publicações diárias, apresentavam uma cobertura com mais qualidade de informação.

Esses blogs traziam um ou dois posts sobre o tema enquanto jornais online publicavam dezenas de matérias em um mesmo mês.

A pesquisadora lembra que a linguagem científica é restrita, não inclusiva, onde isso não é necessariamente ruim, porque torna a comunicação entre as partes bastante eficiente. E, de cientista para cientista, pressupõe-se que será entendida, não só com os termos mas com os conceitos envolvidos.

Daí a necessidade de um bom desempenho do jornalista: “Para os jornalistas o trabalho é um pouco mais delicado, ele precisa entender os conceitos passados pelos cientistas (que as vezes não simplificam tanto assim) para trazer para o público não especializado, sem perder em conceito e deixando o conteúdo acessível. Dificuldades podem ser encontradas em várias partes, desde a acessibilidade de fonte ao treinamento em ciências do próprio jornalista”.

Na internet encontra-semuito conteúdo livre e grandes descobertas científicas geram muita informação, de forma que não apenas jornalistas e profissionais, mas qualquer pessoa, estudantes, entusiastas, indivíduos comuns propaguem conteúdo em redes sociais, blogs, wikis e outros.

E para chamar a atenção é necessário algum diferencial, o que acirra a busca pelo aprimoramento de linguagem e excelência em conteúdo. Mendonça afirma que o principal é ser uma fonte confiável para o leitor que tem acesso a tanta informação, boa ou ruim, e que a melhoria na qualidade do trabalho de jornalistas e blogueiros, pode ser aprimorada conhecendo-se um pouco mais o panorama em que estão inseridos: “Espera-se dos jornalistas um melhor e mais profissional trabalho de apuração e comunicação, e essa expectativa pode ser atendida com melhores práticas, desde pesquisa prévia, pluralidade de fontes, comunicação mais completa. Ao mesmo tempo,cientistas precisam estar mais abertos e presentes nesse processo”.

A partícula bóson de Higgs é chamada por muitos como “a partícula de Deus” e isso atrai o leitor. Não há relação alguma com a religião, mas esse “apelido” da partícula aumentou a busca por mais informações, ficando a cobertura, para esse público, a desejar. “Não fosse Deus no apelido da partícula é provável que a procura por informações, por parte do público, fosse menor”.

 

 

 

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