A (re)existência das comunidades indígenas e a pandemia de Covid-19

Mesa-debate reforça realidade vivenciada pelas populações indígenas no cenário pandêmico e pesquisadores ressaltam o histórico do Brasil em relação a essas comunidades

Grupo de indígenas em mobilização política em prol de direitos
Grupo de indígenas entregam lista de reivindicações aos parlamentares do Planalto em Brasília durante mobilização [Imagem: Reprodução / Agência Brasil / Wilson Dias]

No final de maio, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) sediou uma mesa-debate atrelada ao 50º Tribunal Permanente dos Povos (TPP). O objetivo foi discutir o cenário vivenciado pelos povos indígenas em meio a pandemia de Covid-19. A gravação do evento está disponível no canal oficial da FFLCH no YouTube. 

O TPP ocorreu nos dias 25 e 26 do mesmo mês simultaneamente na Faculdade de Direito da USP e, também, em Roma, sede do Tribunal Internacional. A proposta foi examinar a ocorrência de violações e crimes contra a humanidade cometidos pelo presidente da República Jair Bolsonaro e seu governo. 

Chirley Pankará, doutoranda em Antropologia Social pela FFLCH e pré-candidata a deputada estadual pelo PSOL-São Paulo, afirma que o TPP foi uma atividade importante para dar vozes àqueles que estudam e vivenciam grande parte das temáticas debatidas pelo Tribunal. “Ter a participação dos indígenas nessas mesas é de suma importância, porque é a dor, o sofrimento, as invisibilidades partindo da das vozes indígenas que sofrem diretamente”. 

Emerson Souza, guarani, professor de sociologia da rede pública estadual, mestre e também doutorando em Antropologia Social na FFLCH, concorda sobre a importância dessa presença indígena dentro dos debates e da própria universidade. Além disso,  o pesquisador complementa que, a partir deste cenário, inverte-se o paradigma entre aquele que estuda e o que se estuda dentro da academia. “Os indígenas não são mais objetos de pesquisa, mas, sim, sujeitos de conhecimento.”

Segundo levantamento da Global Witness ― organização não-governamental britânica ―,  desde o início da apuração, em 2012, o ano de 2020 foi o mais letal para essas pessoas e grupos com um total de 227 homicídios. O Brasil foi considerado o 4º país com mais mortes no ranking daquele ano produzido pela Global Witness. Tais dados evidenciam a urgência do debate sobre as comunidades indígenas e as violências contra essas populações.

Cartaz de Homenagem à Bruno e Dom assassinados no Brasil
Cartaz produzido para homenagear Bruno Pereira e Dom Phillips, violentamente assassinados [Imagem: Reprodução / Página oficial do Governo Federal brasileiro]

O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips configura-se como mais um capítulo na história recente do país, marcado por uma opressão histórica contra essas comunidades. Novamente, resta questionar “Quem mandou matar?” essas figuras que atuavam ativamente na luta por direitos e na defesa desses grupos.

“O que aconteceu com o jornalista e com o indigenista é fruto de um processo histórico e de políticas de integração e de negligência do próprio Estado brasileiro”, afirma Emerson Souza. “Ao deixar de criar e organizar ou ajudar na organização das políticas indigenistas, [o Estado brasileiro] promove um desmonte principalmente dos artigos constitucionais 231 e 232, que garantem aos povos indígenas a diversidade não só da saúde, mas também da educação e da maneira como essas comunidades se organizam.” 

Desde 2016, nenhuma terra indígena foi homologada, isto é, teve a sua demarcação aprovada por decreto presidencial. A pandemia de Covid-19 trouxe novas nuances ao contexto vivenciado pelas comunidades indígenas. A ameaça de possíveis contaminações pelo vírus e as campanhas de vacinação dentro das comunidades e dos indígenas que estão no ambiente urbano foram alguns dos desafios enfrentados. “Foram feitas barreiras dentro da comunidade, fechando as porteiras na frente, botando placas anunciando que não podia entrar, sair porque como modo de indígena é coletivo, todo mundo compartilha. Se uma pessoa contraísse a Covid, isso ia ser transmitido facilmente para os demais”, relata Chirley.

Em meio a essa extrema vulnerabilidade, uma série de políticas foram implementadas de modo a facilitar a exploração dentro dos territórios indígenas e fragilizar direitos dessas comunidades. Um exemplo disso é a questão do Marco Temporal, que segue ainda indefinido.  Emerson pontua: “O século 21 e, principalmente, com esse governo da extrema direita, um governo fascista, etnocida, racista, preconceituoso, instala-se novamente uma política de integração [política de Estado que visa incorporar os indígenas a sociedade e símbolos nacionais, partindo do princípio de que essas comunidades são “primitivas” e “atrasadas”] e de retirada dos territórios indígenas.”

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